A arte de colocar seus limites
Vamos normalizar a ideia de que cada um precisa respeitar os seus?
Este ano, tomei uma das decisões mais difíceis da minha carreira: precisava parar. Eu estava bombando, cheia de contratos, engajamento nas alturas no Instagram, caixa de entrada lotada de convites e propostas, havia acabado de ganhar um prêmio bacana pelo meu podcast. Não conto isso por ego (tá, talvez um pouco, vai), mas dar um contexto do nível de pressão por desempenho que estava vivendo.
Eu falei um pouco aqui sobre o processo que passei. Foi burnout mesmo: crises de ansiedade, insônia e enxaqueca, bem no meio da minha gravidez. Acordava em pânico no meio da madrugada, só de pensar que teria uma live naquela noite e que não dava para cancelar. Com o coração a mil, sentia a minha bebê mexendo na barriga, percebendo toda aquela aceleração também.
O corpo falou mais alto e eu prestei atenção: não dava para continuar daquele jeito, precisava priorizar a minha saúde e a minha gravidez. Isso pode soar meio dramático, mas a verdade é que ainda doi. Não foi fácil tomar a decisão de parar – ela veio acompanhada de muita culpa, vergonha e uma vontade generalizada de me esconder em uma toca.
Aos poucos, consegui construir uma paz meio bamba com a minha escolha. Sei que precisava desta pausa e que não tinha opção. Ou cuidava de mim e da minha bebê, ou aquilo só iria piorar.
Na semana passada, quando vi a notícia de que a Simone Biles havia decidido não competir mais nas Olimpíadas do Japão, um arrepio conhecido me correu na espinha. Era a mesma situação enfrentada em julho pela tenista Naomi Osaka, que optou por não ir a um torneio na França. O motivo: ambas sentiam que não tinham condições emocionais de “comparecer” (que palavra carregada, hein?).
A pressão em cima das duas é muito maior do que qualquer coisa que vivi, tenho plena consciência disso. Biles chegou a admitir que uma das razões pelas quais não havia se aposentado ainda era a responsabilidade de zelar pela imagem destroçada do seu time – pelo fato de ela ser a última atleta atuante que era sobrevivente dos abusos cometidos pelo ex-técnico Larry Nassar.
Ainda assim, eu vi nelas a mesma angústia que senti. O peso da palavra “desistir”. Comecei a acompanhar os casos com gula: queria ver quem iria apoiar e quem ia dizer que era “mimimi”. Quem ia entender e quem ficaria revoltado, achando tudo aquilo uma grande irresponsabilidade.
Eu vibrei quando Biles disse que precisava priorizar sua saúde mental e "não apenas sair e fazer o que o mundo quer que façamos”. Quando jornais e revistas no mundo todo honraram a sua força. A New Yorker destacou sua coragem e a colocou como um “exemplo para colocar os seus próprios limites”. É claro que teve muita gente falando mal, mas a resposta geral foi de apoio e compreensão.
A cada mensagem que ela recebia, eu me senti menos sozinha. Nos esportes, vivemos para ver a superação dos atletas e seus times – e sinto que o mundo começou a ver como essa noção pode refletir outros aspectos também. Superação também é saber que existe uma hora de parar. Nas Olimpíadas do autocuidado, Naomi Osaka e Simone Biles levaram o ouro.
Me lembrei da série Atypical (comentei sobre ela nas 5 dicas bacanas de sexta-feira), na qual uma atleta sofre também para equilibrar a pressão por resultado com a sua ansiedade e saúde mental. E a minha mente de jornalista começou a pensar se não estaríamos começando a ver um novo zeitgeist: o termo alemão para explicar o espírito do tempo em que vivemos. Será que poderemos encarar com mais compreensão e compaixão a decisão de parar – a nossa e a dos outros?
Não parei de discutir a história com minha família, meu marido, minhas amigas – fiquei cansativa mesmo. O motivo é simples: quem já passou por isso para priorizar sua saúde viu nestas atletas um exemplo de que isso acontece, faz parte, é normal. Que a sociedade compreende e está aprendendo, inclusive, a respeitar e honrar decisões tão difíceis.
Eu sou a eterna otimista, vejo sempre o copo cheio (não me pergunte por que nestes tempos tão sombrios). Mas não consigo olhar para estes casos sem a esperança de que eles sejam apenas os primeiros e que a gente possa normalizar a pausa e aprender a respeitar os limites de cada um.
❓Como é colocar limites pra você? Conta pra mim?
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