A crônica está viva - e ela mora no Substack
Dossiê literário #9: As mulheres que fazem a crônica digital contemporânea
Olá, tudo bem?
Os dossiês literários são fechados para assinantes pagos, mas decidi deixar esta edição aberta para todos. Ela é uma espécie de manifesto sobre o trabalho de tantas autoras brasileiras que escrevem crônicas aqui no Substack. Aproveite para conhecer o formato. Se gostar, não deixe de fazer o upgrade para o plano pago - com ele, você remunera o meu trabalho com esta newsletter e tem acesso a dois dossiês como este por mês:
Difícil fugir do assunto nesta newsletter, já que o Julian Fuks declarou recentemente a morte da crônica e eu e tantas outras escritoras ficamos perguntando: se é isso mesmo, o que estamos fazendo aqui? Fuks diz que é o fim da literatura cotidiana, da escrita "mansa desprovida de ambições e ganâncias e cobiças. É a morte de um olhar discreto e franco sobre a vida". Eu adoro as crônicas e os livros dele (sempre o disclaimer, não é
), mas o que eu vejo na minha caixa de entrada do Substack é exatamente esta literatura - e ela anda vivinha por aqui.A minha sensação é que Fuks olhou mais para a grande imprensa, mais para os grandes cronistas do passado, e não percebeu que a nova crônica agora tem outra cara: é digital e feminina. Eu leio quase que exclusivamente newsletters de mulheres que trazem justamente o olhar discreto e franco sobre a vida que Fuks falou. Ao abrir cada edição, encontro uma reflexão nova sobre a vida, a maternidade, a escrita, o corpo feminino, a literatura e a música.
Mas será que não existe aí uma visão machista e reducionista sobre o que é literatura, o que é a Crônica De Verdade? (Mais um disclaimer: não estou acusando o Fuks de nada, apenas faço aqui uma reflexão sobre a nossa escrita). Fui buscar no livro Body Work, de Melissa Febos, uma análise sobre a literatura escrita por mulheres. Ela diz:
"That these topics of the body, the emotional interior, the domestic, the sexual, and the relational are all undervalued in intellectual literary terms, and are all associated with the female spheres of being, is not a coincidence. This bias against personal writing is often a sexist mechanism, founded on the false binary between the emotional (female) and the intellectual (male), and intended to subordinate the former."
Numa tradução livre, "O fato de esses tópicos do corpo, do interior emocional, do doméstico, do sexual e do relacional serem todos subvalorizados em termos literários intelectuais e estarem todos associados às esferas femininas do ser não é uma coincidência. Esse preconceito contra a escrita pessoal é, muitas vezes, um mecanismo sexista, baseado no falso binômio entre o emocional (feminino) e o intelectual (masculino), com a intenção de subordinar o primeiro."
No ensaio In Praise of Navel-Gazing (Um elogio ao umbiguismo, olha que coisa mais linda), ela defende que o cansaço que certos autores, editores e leitores têm com relação à produção literarária feminina esconde justamente um machismo. Febos, que é professora de escrita de não-ficção do célebre workshop da Universidade de Iowa, conta como suas alunas temem escrever sobre suas experiências com a maternidade por correrem o risco de serem consideradas "narcisistas vazias".
Na hora que li isso, encontrei aquele temor que mora bem fundo dentro de mim. Aquele que questiona quem vai querer ler isso, esse tipo de assunto não se publica, é coisa pessoal, você está querendo ganhar o que com tanta exposição?. Como se fosse algo errado, ruim e menor escrever esta newsletter aqui. O mais louco é saber que não são apenas vozes da minha cabeça, já ouvi este tipo de crítica por aí.
Febos assume no livro uma postura de completa ativista: para ela, resistir às histórias e narrativas de mulheres e pessoas oprimidas é uma forma de resistência à justiça social. A autora nos convida a contarmos tudo sobre nossos próprios umbigos (que não deixam de ser um símbolo do corpo, da vida e do materno):
"Don't tell me that the experiences of a vast majority of our planet's human population are marginal, are not relevant, are not political."
("Não me diga que as experiências da grande maioria da população humana de nosso planeta são marginais, não são relevantes, não são políticas.")
É isto que fazemos com nossas crônicas aqui no Substack. Celebramos nossos corpos, nossos pontos de vista, nossas histórias. Praticamos a escrita como um músculo para ser fortalecido, aprendemos a confiar nos nossos instintos criativos. E criamos uma comunidade de leitoras e leitores que amam fazer parte deste círculo de histórias.
Além disso, o Substack nos dá a possibilidade de pagar pelo trabalho destas mulheres. Por aqui, recebo um valor mensal pela escrita destes dossiês que tem um papel simbólico enorme para mim: sou paga para escrever aqui sobre livros, literatura e o que mais eu desejar. É uma realização para quem sempre sonhou viver de escrita.
Por isso, nesta edição do dossiê, quero trazer as newsletters que amo tanto que apoio financeiramente. São imperdíveis, cada uma do seu jeito. Vem conferir:
- : A Luciana Andrade tem um olhar único para a vida em sociedade contemporânea, e o melhor senso de humor do Substack
- : A Ale Garattoni traz dossiês espetaculares sobre tendências e comportamento
- : A Maíra Ferreira escreve sobre corpo e escrita de um jeito maravilhoso
- : Adoro as resenhas e as indicações da Isadora Sinay
- : A Lalai é dona da melhor curadoria da internet e de um texto lindo de morrer
- : A Carol Bensimon escreve sobre natureza, leitura, música, e ainda tem um clube do livro para assinantes pagos
- : A Paula Nazarian traz uma agenda cultural completa de São Paulo e um olhar aguçado para a cultura
- : A Barbara Bom Angelo escreve sobre literatura, mestrado e escrita e não perco uma edição
- : A Vanessa Guedes fala sobre literatura e corpo em ensaios super profundos
- : A newsletter da Paula Maria é pura poesia, também sobre escrita e literatura
- : Eu amo os textos sobre bem-estar da newsletter da Gabi Albuquerque
- : A Fabiane Guimarães escreve sobre a sua vida como escritora, processo criativo e publicação
- : A Gaía Passarelli é dona das melhores crônicas do Substack - e também faz uma curadoria cultural maravilhosa
- : A Aline Valek mergulha na sua curiosidade e seu processo criativo em edições que são pequenas joias
(Algumas pessoas só não estão nesta lista pois ainda não possuem um plano pago.
, e , já passou da hora de vocês lançarem um!)Leia mulheres, apoie mulheres, pague pelo trabalho destas mulheres. É assim que a nossa forma de ver o mundo se expande e se torna mais diversa e inclusiva.
E não deixe de ler o que elas escreveram sobre esta história toda:
Ótima reflexão.
Certamente ele fala de um lugar muito nítido. O lugar do homem branco. Sabe que até fiquei feliz, com a morte da crônica - na visão dele. Será que a crônica branca que só eh publicada na grande imprensa está morta. Tomara! #prontofalei
Estamos bem vivas e escrevendo 🖤