A derrocada da Boa Mãe
Dossiê #11: Uma resenha de "Of Woman Born: Motherhood as Experience & Institution", de Adrienne Rich.
Alguns livros têm o poder de mudar a forma como enxergamos o mundo e a nós mesmos. A primeira vez que isto me aconteceu foi com a leitura de O segundo sexo, de Simone de Beauvoir. Com ele, entendi que o gênero é uma construção social - e não um destino biológico. Quando li a célebre frase "Não se nasce mulher, torna-se mulher", compreendi que muito do que eu pensava sobre o ser mulher era, na realidade, uma construção, um conjunto de crenças e valores que eu poderia questionar, se quisesse.
Esta ideia mudou a minha forma de pensar sobre a minha vida e meu gênero. Sobre as mulheres da minha família e sobre todas as vezes em que elas seguiram caminhos não tradicionais e reinventaram a noção de mulher possível para mim.
Não é todo livro que consegue ter um impacto tão profundo assim. Mas recentemente li um que me causou um terremoto de escala igual ao do livro de Beauvoir: Of Woman Born: Motherhood as Experience & Institution, de Adrienne Rich (infelizmente não traduzido para o português). O que Beauvoir fez sobre a condição feminina em O segundo sexo, Rich fez sobre a maternidade nesta obra.
O título já estabelece uma linha de diálogo com Beauvoir. Somos todos nascidos de mulheres - e ainda assim, esta experiência universal não é discutida ou debatida. Pelo contrário: o ideal da maternidade foi moldado pelo patriarcado como de total responsabilidade da mulher. Nosso trabalho mais importante e, simultâneamente, o que tem menos valor aos olhos da sociedade. A sociedade enxerga toda mulher que nasce como uma futura mãe - e é ao cumprir o seu "destino biológico" que a sua vida encontra sentido. Rich, que é mais conhecida pelo seu trabalho como poeta, identifica e questiona cada uma destas crenças neste livro magistral.
De um lado, está a maternidade que vivemos: complexa, ambígua, cheia de dor, medo, prazer, alegria e culpa. De outro, a instituição da maternidade que procura se sobrepor à experiência real: é a maternidade idealizada. Na maternidade como instituição, não há espaço para nenhum sentimento negativo: somos a pura expressão do contentamento.
É aí que nasce a ideia da Boa Mãe. Ela não reclama de nada (nem durante a gravidez, nem depois da chegada dos filhos), é a abnegação do si em favor da prole. Ela não sofre em se deixar cair para o último degrau de prioridades da sua vida: afinal, não há nada mais importante do que o papel que cumpre ao garantir a sobrevivência e bem-estar da próxima geração. Ela nasceu para cumprir este papel - e o único momento da vida desta mulher em que ela recebe total aprovação da sociedade é quando está gestando.
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