A louca no sótão e a autonomia literária
Edição #294: Escritoras monstruosas e anjos domésticos
“É debilitante ser mulher em uma sociedade onde as mulheres são advertidas de que, se não se comportarem como anjos, devem ser monstros.”
Já nem me lembro mais qual foi o impulso que me levou a comprar The Madwoman in the Attic, de Sandra M. Gilbert e Susan Gubar. Sei que adorei o título e a perspectiva de uma análise literária feminista sobre as escritoras vitorianas. Algo me remeteu à Weird Barbie: uma mulher estranha que vive afastada, é tida como louca mas é a mais sábia e criativa de todas.
Assim que o livro chegou em casa, em meados do ano passado, percebi que não havia sido muito realista (ou atenta): era um catatau de quase 800 páginas. Deixei o volume do lado do computador, representando a ideia do Livro Que Eu Queria Querer Ler na Sequência. Ele teria criado raízes na minha escrivaninha, não fosse o artigo que estou trabalhando no mestrado sobre Frankenstein.
Na pesquisa, descobri que uma das principais análises feministas sobre o clássico de Mary Shelley era justamente de Gilbert e Gubar. Com a desculpa perfeita, mergulhei neste feriado na Madwoman in the Attic. (Para elas, a Criatura é, na realidade, Eva, mas isto é tema de outra edição).
O livro é um estudo de caso sobre escritoras e, apesar de ser inicialmente focado nas autoras da época vitoriana, ainda é infelizmente atual. Gilbert e Gubar mostram que as escritoras do século 19 tinham apenas duas opções na hora de criar suas personagens mulheres: os anjos domésticos e os monstros. Pense na Branca de Neve e a Rainha Má: uma é a imagem da bondade e perfeição, a heroína que não faz nada na história além de ser bela e inocente. Já a outra é o motor da história, um poço de raiva, ciúmes e frustração, que luta contra a idade e a sociedade para manter o status da mais bela.
O problema não está nas escritoras mulheres que decidiram colocar suas imaginações nestes dois espaços tão confinados. Na realidade, esta projeção é masculina - e autoras como as irmãs Brontë, Mary Shelley, Jane Austen, George Eliot e tantas outras estavam apresentando suas próprias versões para estes papeis limitantes em que foram colocadas.
Gilbert e Gubar afirmam que por muito tempo, a escrita foi estritamente masculina. Assim como o monstro de Frankenstein é obra de um criador solitário, a criação literária é o espaço onde o homem funciona como o Criador. Ele não precisa de um útero; pode fazer tudo sozinho. São os casos de paternidade literária. A mitologia ocidental coloca a mulher como a principal criação do homem: é só pensar no caso de Eva, nascida de uma costela de Adão.
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