Não consigo escrever. Minhas costas doem e não acho posição na cadeira. Se fico muito ereta, os ombros pesam, mas se fico mais relaxada, eles doem. Engordei nas férias e as roupas me apertam, não existe conforto com a cintura marcada pelas calças desse jeito.
Estava com fome. Achei que almoçar seria a solução, mas não consigo imaginar uma única alma que tenha resolvido um bloqueio criativo com um belo almoço. Comi bem e agora estou morrendo de sono. Não tenho dormido direito - como vou escrever com esse cansaço todo?
Minha sala está barulhenta. A pessoa que ocupa o espaço ao lado do meu no escritório não larga o telefone e o barulho vaza pelas divisórias de vidro. Gasto um tempo procurando uma playlist de escrita perfeita para o momento. Não pode ser muito triste - se não começo a chorar. No entanto, não consigo escrever com música com vocais. Eu começo a cantar. E para onde iria toda essa tristeza?
Olho para o relógio e vejo que está chegando a hora de sair para levar a Bia ao médico. Eu tenho pouco tempo, como vou escrever uma crônica inteira assim?
A verdade é que ando triste. Gosto de escrever quando estou num clima solar, cheia de reflexões, e não vazia assim. Já enchi páginas e páginas com reclamações, desabafos e confissões. Mas quem é que vai querer ler este tipo de coisa?
Este texto está chato, seco, sem ritmo - como eu. Começo a escrever e volto a pensar nos problemas. Lembro que a hora de sair para o médico está chegando. O telefonema de hoje cedo com meu pai continua me perturbando. Vejo uma série de mensagens não respondidas no WhatsApp.
(Esta é uma boa métrica do meu desconforto. Se não consigo dar uma resposta boa nem ao pet shop, como é que vai sair um texto inteiro debaixo deste nevoeiro?)
Tudo me irrita, nada é suficiente.
Demoro a me lembrar que escrevi nesta newsletter nas semanas boas e também nas ruins. Quando tudo fluía bem e também quando nada estava dando certo. Talvez esta seja uma tempestade pior que as outras. E ainda assim, estou aqui, ao menos tentando.
Uma pessoa me perguntou outro dia: por que continuar com esta newsletter? Se dá tanto trabalho assim, não seria melhor preservar minha energia para outras atividades? Mais tempo para o trabalho, mais pesquisa para o mestrado, mais disposição para as meninas?
Não pense que eu não me questiono também - especialmente nos momentos mais duros, naquelas semanas em que nenhuma peça parece se encaixar com as demais.
Mas é então que lembro do acordo que fiz comigo mesma: eu escrevo porque gosto. Porque mesmo nos dias ruins, chega uma hora em que o texto começa a fluir e eu me lembro da pessoa que sou enquanto escrevo. Porque gosto de pensar em mim mesma como uma escritora - é uma aspiração, no sentido do que diz a
nesta edição da :Amo pensar que continuo a escrever ao longo das semanas fáceis e também das impossíveis. Celine fala que o aspirante é aquele que deseja se tornar uma pessoa que ainda não se é. A única forma de isso acontecer é trabalhar para se tornar aquilo que se deseja.
Aspiration (...) is “work” for the aspirant:
The work is visible in her struggles to sustain interest in the hobby or relationship or career or religion or aesthetic experience that will later become second nature; in her repeated attempts to “get it right,” attempts that must be performed without the benefit of knowing exactly what rightness consists in; and, most generally, in the fact that she always wants and strives to be farther along than she is.
Não sei se existe isso de a escrita se tornar uma segunda natureza. Me parece que sempre existe uma resistência, uma procrastinação, um tempo que o texto leva para amadurecer. Mas me reconheço na ideia de continuar a querer ser uma escritora melhor.
Com uma honestidade brutal, digo que não sei se esta foi a melhor edição da news. Mas termino ela com um orgulho imenso: apesar de toda a dificuldade, de todo o sofrimento e procrastinação, aqui está ela.
A aspiração segue queimando forte no meu peito.
"Escrevo porque gosto": essa frase não poderia me representar mais!
Contra todo tipo de empecilho, contra a preguiça, a procrastinação, as outras atividades que ocupam o tempo e mente, sigamos escrevendo! :)
Para quem diz que não consegue escrever, você nos entregou uma escrita maravilhosa! Amei. Já passei tanto por isso, chega a doer mesmo. Mas você descreveu suas sensações lindamente. Obrigada.