Eu não aguento mais o WhatsApp. Sempre fui ágil
11:55 - Luciana: O doutor Fernando só tem horário no dia 05. Podemos agendar para 19:15?
Respondo a mensagem e volto para o texto:
Eu não aguento mais o WhatsApp. Sempre fui ágil para não deixar ninguém sem resposta, mas tenho a sensação que o problema explodiu de tamanho.
11:59 - Ana: Este tênis é da Bia? Acho que ela esqueceu no acampamento, a Helena trouxe para casa e disse que era dela.
Olho para a minha caixa de entrada e vejo que tenho 38 mensagens não lidas. Está tudo misturado: tem da secretária do ortopedista, de uma amiga querida, de uma pessoa com quem preciso marcar uma reunião para discutir um projeto novo, fora 25 do grupo de escrita, 67 do grupo de mulheres, 21 do grupo de amigas da escola, 8 do grupo das mães da escola e mais algumas do meu sogro. Morro de vergonha, mas viro o celular para baixo e coloco ele no mudo para conseguir terminar pelo menos este parágrafo.
Tento pensar quando foi que perdi o controle sobre o aplicativo. Olhando para trás com honestidade, sei que não posso dizer que o número de mensagens piorou. Parece que já tem uma década que você não está realmente viva se não tem os grupos de (a) trabalho, (b) amigos, (c) família, e toda uma pletora de mensagens de gente que precisa falar com você por um motivo ou outro. Ainda assim, sempre naveguei essa insanidade com um número mínimo de mensagens a responder. Nunca ia dormir sem dar um retorno - ainda que provisório - para cada pessoa da lista.
O problema, decido, deve ser comigo. Acho que consigo apontar a raiz: na hora em que resolvi tirar mudar as configurações de privacidade. Adeus, notificações de leitura. Deixar os outros saberem quando estou online? De jeito nenhum. Vista por último? Desnecessário também. Virei um fantasma do WhatsApp, que some e aparece por conveniência, culpa e interesse.
Foi uma libertação: poder escolher quando responder aos outros, ao invés de ser constantemente assaltada pela pressão social de não deixar ninguém esperando. Pior do que mandar uma mensagem, saber que ela foi lida e que ficou sem resposta é ser a pessoa que vê e não responde. O que os outros vão pensar de mim?
12:37 - Pet shop: O valor da tosa higiênica foi de R$ 59,90. Vai querer pagar com PIX ou cartão?
Mas agora que não há pressão, não tenho estímulo a responder ninguém. Deixo médicos, amigas, parentes no vácuo eletrônico. Não é nada pessoal. Mas me sinto esgotada deste diálogo eterno simultâneo com todas as pessoas que conheço. É o verdadeiro Tudo em todo lugar ao mesmo tempo - e eu só quero conseguir escrever uma crônica em paz sem ser interrompida.
O peso das mensagens não respondidas se acumula e vira aversão ao celular. Olho à noite para o aplicativo e constato: 43 mensagens não lidas. Vou resolver isso amanhã, me prometo. Mas agora prefiro assistir a mais um episódio de Black Mirror.
A manhã chega e reviso as minhas tarefas do dia. Já comecei atrasada, vou ter que deixar as respostas do WhatsApp para depois. Uma hora canso do ciclo de esquiva e vergonha e respondo todo mundo de uma só vez - torcendo para que ninguém esteja online para reativar a conversa. Tenho uma paz que não dura nem uma hora e logo estou de novo soterrada pela pretensa disponibilidade instantânea.
Só mais meia hora, penso. Negocio comigo mesmo: prometo que respondo todo mundo daqui a meia hora. Deixa só eu revisar o texto e deixar a newsletter programada.
(Se você é uma das pessoas que me escreveu e ainda não recebeu um retorno, eu te prometo: daqui a pouco respondo, tá?)
Oi, Carolina, seu relato é a realidade de uma era, infelizmente. Ao mesmo tempo que o aplicativo encurtou distancias, ele esta deixando uma geração inteira mais obsessiva. Há 4 anos atrás eu tinha palpitações toda vez que abria o aplicativo, pois me encontrava exatamente na situação que você descreveu. Hoje, bem, estou em tratamento.
Esse modelo de existência não é saudável.
Ainda assim, a tecnologia é incrível, pois veja, estou agora conversando com você e isso não seria possível sem ela, no entanto, cabe a nós, humanos, por mais contramão que seja, continuar sendo humanos.
Um beijo!
Meu sonho é o WhatsApp acabar hihihi Sou uma pessoa de sonhos aparentemente modestos, mas meio que impossíveis, né? A obrigação do retorno é o que mais me cansa. E, mesmo não aguentando mais o app, passo HORAS do meu dia lá. Como assim? Oh well, mais um buraco negro de tempo nos nossos celulares...