Chamamos a Isadora para brincar no mar e ela queria ir no fundo. Ela faz aulinhas de natação e sabe soltar bolinhas e bater as pernas, mas não sabe nadar. Abraçamos nossa confiança de pais mais experientes, deixa ela se soltar na água, só se aprende assim, faz parte levar caldo, e deixamos ela ir cada vez mais fundo.
Nos últimos dias, ela já tinha levado uns dois ou três caldos diferentes. Num deles, estávamos apenas eu e ela, brincando de pegar onda bem no rasinho com uma boia gigante em formato de um camelo. A onda foi forte, a Isadora caiu caiu, o camelo passou por cima e ela não chorou. Só limpou os olhinhos e pediu pra ir na piscina. Chega de mar.
Alguns dias depois, quando estávamos no mar com o Luiz e a Isadora pediu para ir cada vez mais fundo, deixamos. Ela já aprendeu bonitinha a lidar com as ondas: vira de costas e fecha a boca. Deixa a onda bater. Ela estava gostando cada vez mais daquilo até que veio uma onda maior e ela ficou inteirinha submersa por alguns segundos. A onda foi mais forte e levou o corpinho leve de menina moleca para frente até o pai resgatá-la.
Ela assustou. O Luiz deu colo na hora e ela tossia, fechava os olhos com força. Sem chorar. Tossiu e tossiu, até começar a vomitar. Assim que conseguiu parar, olhou para a gente e disse: Eu senti o cheiro do perigo.
Óbvio que não parei de contar essa história para a família toda. A cada telefonema, tudo aquilo de novo: o mar, o caldo, o cheiro do perigo. Neste clima de ano novo, fiquei com o caldo na cabeça e me peguei pensando em todos que levei em 2024. Todo susto, notícia ruim e medo, cada receio e sufoco e perrengue. Fui me fechando aos poucos ao longo do ano e mal fui capaz de desejar feliz ano novo para a maioria das pessoas que amo. A sensação era de estar sem fôlego, me recuperando de um caldo daqueles.
Entrei em 2025 com o lembrete de que os caldos são parte da vida - e não apenas das crianças. Quem disse que a gente deixa a posição de aprendiz em algum momento? Estar vivo é um ciclo de aprender e desaprender, tombos e vitórias. Se você acha que já sabe tudo o que precisa para uma vida plena, próspera, feliz e segura, eu te digo: tome cuidado. A gente nunca sabe de onde vem o próximo caldo.
Não é pessimismo, é pura realidade. Só não leva caldo quem se recusa a entrar no mar da vida, a mergulhar de cabeça, a correr os riscos para enfrentar as ondas e curtir a água gelada. Às vezes, a gente consegue passar a arrebentação e pode aproveitar aquele mar de sonho, límpido e tranquilo. Em outras, é só onda brava por todo lado.
Enquanto trabalhava nesta crônica, uma sincronicidade: abro um livro e dou de cara com uma metáfora marítima. “Você não pode parar as ondas, mas pode aprender a surfar”, disse Jon-Kabat Zinn, o professor de mindfulness que transformou a prática de atenção plena em um protocolo de redução de stress. A ideia é que a dor é inevitável, mas o sofrimento é opcional.
O principal é aprender algo a cada caldo. A Isadora aprendeu a lição dela: no fundo do mar, só com o papai e a mamãe. A reconhecer o cheiro do perigo. A manter a boca fechada na hora das ondas fortes.
E a minha lição depois de tantos caldos? Eles são parte da vida. Não resiste, melhor deixar a onda passar. Algumas vezes, consigo inspirar fundo antes de a onda bater e mergulhar, esperar acalmar para voltar à tona. Em outras, levo um caldo sem nem saber de onde veio. No entanto, entendi que ainda assim, em algum tempo, estarei de novo com a cabeça fora d’água, os olhos ardidos, resfolegante, mas inteira.
Feliz novo ciclo, Carol... que, apesar dos caldos, venha maré boa!
Que texto!!!! Feliz ano novo, Carol! ♥️