Quando descubro o outro em um livro
#90 Com a ajuda de Harper Lee, Julian Barnes e Ursula K. Le Guin
Olá! Tudo bem?
Antes da crônica da semana, queria te fazer um convite. Estou lançando meu projeto de cursos de literatura com um evento especial: Como ler mulheres. Será presencial no dia 15 de junho. Acesse aqui para receber todas as informações e fazer sua pré-inscrição.
Torcendo para te ver por lá! As vagas são limitadíssimas, ok?
Na minha última crônica aqui, falei da maravilha que acontece quando nos encontramos nas páginas de um livro. Quando nos sentimos validados, vistos e menos sozinhos, pois aquilo que pensávamos que só acontecia conosco está de repente ali, na página, numa comprovação de que é universal.
No entanto, achei que faltou falar sobre a irmã gêmea desta situação: a paixão pela descoberta do novo e do diferente que a ficção nos oferece. Se eu buscar apenas os livros que me revelam a mim mesma, perco a oportunidade de me abrir para o mundo do outro. A literatura pode ser espelho e ponte.
Ponte pois nos permite viver a vida dos outros, entender suas dores, refazer os passos de suas escolhas. É a maravilha desta frase de Harper Lee em O sol é para todos:
"Você nunca compreenderá realmente outra pessoa até que considere as coisas do ponto de vista dela - até que entre em sua pele e experimente as coisas nela.”
Quantos livros me deram esta oportunidade? Penso em O quarto de Giovanni, de James Baldwin, que me mostrou a dor do preconceito enraizado a tal nível que não dá espaço para o protagonista aceitar quem é e viver o amor que sente. Ou então em O parque das irmãs magníficas, que me apresentou a toda a violência e glória da vida de tantas travestis. Em Americanah, de Chimamanda Ngozi Adichie, com sua protagonista que só compreendeu o racismo e entendeu o que significava ser negra quando saiu da Nigéria e foi morar nos Estados Unidos.
Ler me permite sentir a culpa por matar alguém (alô, Raskolnikov), o peso de abandonar um casamento para viver uma grande paixão em uma sociedade patriarcal, a raiva frente ao absurdo da violência policial… A ficção nos abre ao rol de experiências da humanidade. É como Julian Barnes explica:
"Foi através de livros que me dei conta pela primeira vez de que havia outros mundos além do meu; imaginei pela primeira vez como seria ser outra pessoa."
A crítica Maxine Greene defende que a literatura pode sim ser considerada uma forma de conhecimento. Ela diz algo lindo, de que podemos ampliar o nosso próprio senso de identidade ao nos abrirmos para a experiência dos outros. Ela nos convida para testemunar a "pluralidade de consciências" através da literatura e cita uma fala deslumbrante de Ursula K. Le Guin:
"Nós vemos; nós ouvimos; nós fazemos conexões. Participamos de algumas dimensões que não poderíamos conhecer se a imaginação não fosse despertada. Somente a imaginação pode nos tirar das amarras do eterno presente, inventando, colocando hipóteses, fingindo ou descobrindo um caminho que a razão possa então seguir em uma infinidade de opções, uma pista através do labirinto da escolha, um fio de ouro, a história, conduzindo-nos à liberdade que é propriamente humana, a liberdade aberta àqueles cujas mentes podem aceitar o que não é real."
Essa liberdade é mais um presente da literatura. As histórias que lemos aliciam a nossa imaginação e trazem as perguntas: como você se sentiria nesta situação? O que faria? Como reagiria? Seria uma heroína da resistência ou buscaria a vida menos arriscada e mais confortável possível? Julgar qualquer personagem sem antes se questionar desta forma é deixar de acessar a camada mais profunda de um livro.
Por isso a literatura deve ser levada a sério. Ela nos revela mais do mundo e de nós mesmos - ainda que seja uma história ficcional, mesmo que narre vidas completamente diferentes das nossas. É neste sentido que o nosso senso de identidade cresce: com a ajuda da imaginação, passamos a entender mais do mundo e de nós mesmos e construímos, de quebra, mais empatia por todos.
Lindo Carol!!! 😍
A imaginação é o que nos torna mais humanos. Até falei disso na minha crônica mais recente, publicada domingo no jornal. E o seu texto traz esse olhar, pois a literatura desperta isso de um jeito muito singular e vivo!