Os meus quarenta anos estão na esquina - e a verdade é que estou adorando. Tem quem encare o marco como uma crise de meia idade, mas este momento tem sido para mim um delicioso processo de reconstrução da minha própria identidade.
Não que seja fácil, mas estou muito feliz com a pessoa que me tornei. Sou mais livre e mais segura. Foi só agora, com os quarenta no cangote, que consegui perceber que até então eu tinha vivido com um profundo senso de inadequação. E o melhor: de repente, ele foi embora.
Claro que o "de repente" é conversa para boi dormir. Nunca é de repente. Mas foi só na hora em que a inadequação foi embora que eu percebi o quanto ela tinha definido o meu jeito de ser até agora. Era como se o mundo todo tivesse recebido um manual de instruções completo para a vida que nunca chegou na minha caixa de entrada.
Até pouco tempo atrás, passava os dias com um olho no comportamento alheio. Foi assim na escola, na faculdade, no estágio e em cada emprego por onde passei. Quando comecei a ir às aulas de natação com a minha caçula, fiquei observando se as outras mães iam para a piscina de roupão ou enroladas na toalha. Ou será que o certo era irde calça de moletom e tirar lá do lado da piscina mesmo?
Toda uma existência composta de infinitos códigos de conduta que nunca soube seguir sem ser através de uma observação meio obsessiva e, ao mesmo tempo, meio desleixada. Até porque, na hora agá, eu sempre calhava de ser a única que fazia tudo de um jeito diferente.
O "de repente" chegou quando cansei de me importar e descobri que o tal manual de instruções não existe. Aprendi finalmente que posso fazer do jeito que bem entender.
Passei semanas discutindo na análise a ideia de que a vida não tem corrimão. Cresci banhada na crença que havia uma forma certa de viver, uma ordem certa para seguir, e que eu devia fazer as escolhas certas pelos motivos certos. No entanto, depois de alguns eventos familiares no ano passado, eu resolvi mandar toda essa certeza para o inferno. Nunca gostei de ser muito certinha.
Engraçado ter demorado tanto tempo para perceber que ninguém sabe direito o que está fazendo. Afinal, sou mãe há dez anos e já me peguei inúmeras vezes questionando minhas atitudes. Ainda assim, não conseguia entender que o mesmo acontecia - e ainda acontece - com meus pais. Na minha cabeça, alguém estava no controle da situação.
A verdade, que eu descobri a duras penas, é que ninguém está. Existe apenas gente que acredita estar, que tem certeza que sabe o que está fazendo. Que duro quando o mundo dá uma reviravolta tão grande e deixa escancarado o tamanho da nossa ignorância e falta de controle. Ninguém sabe nada.
Tatuei a frase Carpe Diem na nuca aos dezesseis anos e fui entender só agora com trinta e nove que tenho apenas esta vida aqui para viver - e que cansei de buscar as regras alheias, os corrimões dos outros. Talvez a inocência da adolescência seja mais sábia do que imaginava.
A
falou nesta edição linda sobre o "processo de perder colágeno e as certezas":"Uma vida de me ver inadequada em cada círculo que frequento me fez entender que talvez nunca chegue o dia em que eu vá me sentir ajustada", escreveu a escritora mineira.
Resolvi abraçar o desajuste - este é só mais um nome (cheio de julgamento) que explica quem sou. Amo a vida que construí, mesmo reconhecendo que cada escolha traz uma renúncia. Abri mão de muita coisa - e muita gente - para ficar confortável na minha pele. E vou te falar: não tem sensação mais gostosa. É uma integridade diferente. Aprendi a ser íntegra comigo.
Em meio a uma troca de áudios e mensagens com a minha amiga Helena, que é psicanalista, e ela me contou que o psicanalista Ryad Simon afirmava que toda crise servia de base para o crescimento. "Não tem crescimento sem crise. É preciso abalar uma estrutura para poder construir uma outra. Estamos sempre soltos no corrimão", ela me diz.
No meio desta fase, me caiu no colo o livro A passagem do meio, do também psicanalista jungiano James Hollis, em que ele diz também não gostar do termo crise de meia idade. O autor descreve esse período como:
"Uma oportunidade de reexaminar a nossa vida e fazer a pergunta por vezes assustadora e sempre libertadora: 'Quem sou eu além da minha história e dos papéis que interpretei?' Quando descobrimos que vivemos até agora algo que constitui um falso eu, que temos representado até o momento uma idade adulta provisória, impelidos por expectativas irrealistas, nós nos abrimos finalmente para a possibilidade de uma segunda idade adulta, nossa verdadeira individualidade."
Tenho andado apaixonada por esta ideia, na verdade. Não tem nada de crise aí, mas sim de me encontrar no entulho das expectativas frustradas dos outros e descobrir que sou sim uma pessoa bem bacana. É um presente, algo que merece celebração. Não tenho nada a esconder sobre fazer quarenta. O que sinto é orgulho.
tô mais perto dos 50 do que dos 40. a única coisa dos meus 20-poucos que sinto falta é o corpinho sem dores. de resto, não troco por nada.
texto lindo! me identifiquei horrores, ainda me sinto muito mal com o senso de inadequaçao, tenho 26 e alguns anos de análise, e estava achando que essa sensaçao nunca ia passar, que ia viver p sempre com essa angustia de estimação. mas agora ler esse texto me deu esperança pra continuar vivendo até poder conseguir abraçar as minhas esquisitices sem medo de ser feliz, obrigada por isso