Sobre como achar um caminho mais autêntico
E parar de acreditar que existe um jeito certo de viver a vida
“Insistiram na bobagem de pôr no caminho deles a estrada dos outros”, diz Carla Madeira em Tudo é rio.
Foi como um tiro. Quando li essa frase, comecei a me dar conta de tantas vezes que eu havia cometido a mesma bobagem.
Comecei a colecionar exemplos. Como aquela pessoa que decide que precisa fazer algo porque todo mundo está fazendo. Passamos a acreditar que existe um jeito certo de construir nossa carreira, nossos relacionamentos, nossas famílias.
São todas escolhas todas feitas de fora para dentro, sem parar para ouvir a vozinha interna que sussurrava outras coisas.
Você já caiu nesta besteira também? Eu imagino que sim.
Passei a reparar mais. Estou assistindo à série israelense Shtisel, no Netflix, e o que mais me pega é ver tantos personagens que vivem suas vidas na estrada dos outros. (Se você não viu, recomendo. Confesso que tinha um pouco de preguiça, mas por insistência de algumas pessoas queridas, acabei dando uma chance). A trama envolve uma família de judeus ortodoxos que vive em Jerusalém e cada um ali luta para aceitar à força a ideia de que existe um jeito certo e errado de amar, trabalhar, viver.
O que são então estas estradas, se não convenções? Histórias que criamos e acreditamos conjuntamente. Sim, elas trazem coesão social. Mas se você parar para pensar, são apenas histórias.
No livro Sapiens, o historiador Yuval Noah Harari, defende que as histórias são uma das forças mais fortes da nossa sociedade. O dinheiro, as religiões, ideologias, costumes e padrões – todos são apenas histórias que escolhemos acreditar. (Que livro, gente).
Pense no dinheiro. Todos nós aceitamos a ideia de que aquelas notas e moedas (e mais recentemente números na tela do internet banking) correspondem mesmo a um valor real. Uma nota de cinquenta reais vale mesmo cinquenta reais. Mas se você for buscar, vai descobrir que na verdade não existe um lastro para aquela nota. Os cinquenta reais são virtuais – são uma história que a sociedade inteira escolhe acreditar.
Este é o poder das histórias. E comecei a questionar quantas delas nós todes compramos sem pensar.
Muitas delas estão começando a se desfazer: quantas crenças antiquadas (ou mesmo sexistas e racistas) a nossa sociedade não vem deixando para trás nas últimas décadas? Um exemplo bobo: quando fui morar sozinha aos 24 anos, meu avô declarou que eu havia ficado para titia.
- Como assim, vô?
- Assim, sim. Se você é uma mulher solteira que vive sozinha, sem marido nem família, isso faz de você uma titia.
No mundo dele, aquela noção fazia absoluto sentido. No nosso, é completamente descabida. Cada vez mais, o que era “prafrentex” tempos atrás se torna o “novo normal”.
Mas trocamos algumas histórias por outras. Antigamente, as ideias sobre trabalho giravam em torno de conceitos como “jornada das 9h às 18h”, “fazer carreira na empresa”, “aposentadoria aos 60 anos”. Hoje, o mito é mudou de face: falamos em “otimização da produtividade”, “feedback por desempenho”, “meritocracia”, entre tantos outros.
Modernizamos nossas histórias e criamos autoestradas sem limite de velocidade para nossos carros elétricos mentais. Mas ainda assim, são histórias.
Ainda assim, te faço o convite: vem questionar comigo as histórias que você comprou sem questionar antes. Elas podem estar atrapalhando o seu caminho mais real, mais autêntico. Ele pode não ser convencional – e eu venho descobrindo que não tem problema.
O problema é viver uma vida inteira preocupade apenas com que os outros vão pensar.
🤓 Referências culturais (como dizia a minha professora de literatura do 1º colegial)
Tudo é rio, Carla Madeira (2014)
Sapiens: Uma breve história da humanidade, Yuval Noah Harari (2015)
Série Shtisel, Netflix
📖 Uma leitura que tem embalado esta minha reflexão
The way of integrity, da Martha Beck (2021)
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