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Sobre literatura negra e periférica

Uma entrevista com Elizandra Santos

A entrevistada desta semana é Elizandra Santos. Escritora, poeta, jornalista, é integrante do Sarau das Pretas, educadora e ativista cultural há 20 anos. Autora dos livros Quem pode acalmar esse redemoinho de ser mulher preta?, Filha do fogo- 12 contos de amor e cura, e Águas da Cabaça, além de participação e organização de antologias literárias.

Você pode conferir uma parte do nosso papo em vídeo. Abaixo, uma versão editada e condensada da entrevista.


Como é você trabalha a ancestralidade na sua obra?

Ancestralidade é a base de todo o meu trabalho. Tenho trabalhado muito a ancestralidade pensando que se a gente não respeita ela, a gente não respeita nada - sobretudo nós que viemos dessa história de rompimentos. Parece que a a arte da população negra está sempre começando e não é verdade. Por conta da escravização, a gente está sempre buscando religar essa ancestralidade - e isso vai reverberar na obra.

A ancestralidade é a base para entendermos que a nossa história vem de muito tempo. Muitas vezes a gente não conhece, mas não quer dizer que ela não existe, né? Recentemente também, o meu coletivo, o Coletivo Mjiba, fez uma antologia e aproveitamos essa ocasião para fazer uma linha do tempo pedindo a bênção às mais velhas e denominando essas escritoras que vieram antes. É uma linha do tempo que tem mais ou menos 80 escritoras, começando com a Maria Firmina dos Reis, com o romance Úrsula, que foi a primeira mulher - e a primeira mulher negra - a publicar um romance, em 1859, e vai até 2020, mas tem uns vácuos absurdos de quase 100 anos. Gente, não é possível que nenhuma mulher negra tenha escrito nesse período - é que a gente não conhece ainda e vai tentando preencher essa lacuna. Então a ancestralidade vem para preencher também esses espaços que foram rompidos.

Você tem um trabalho ativista e também é uma voz importante na literatura periférica e negra. Você vê um aumento do interesse por essas literaturas no Brasil hoje?

Existe sim. A gente começa com o Movimento Negro Unificado em 1978, que foi o mesmo ano em que os Cadernos Negros (a nossa antologia de maior importância) começaram a ser publicados. Estamos há 44 anos fazendo literatura negra, criando personagens negros mais complexos, com mais humanidade, com vivências muito mais parecidas com a nossa vida real, nosso cotidiano. Dentro desse período tem também a cultura hip hop, que fez com que o jovem negro do começo dos anos 1990 tivesse também esse empoderamento. Eles conseguiram se ver como pessoas negras, bonitas. Porque o racismo também tira a nossa beleza, ele tira a nossa humanidade. Depois vieram as batalhas de freestyle, os saraus periféricos, os slams. O slam, que é a batalha de poesia, nada mais é do que o Freestyle do hip hop com uma nova roupagem.

Eu percebo mudanças também na literatura produzida por mulheres negras. Nos últimos 20 anos elas tem publicado mais - e de forma autoral. Na maioria das vezes, as escritoras negras publicam em antologias, então essa forma de publicar coletiva foi também e é um dos nossos pilares. Esse poder publicar junto leva em conta também em ampliar o acesso ao livro, que continua ainda sendo um produto muito caro.

O que é o seu coletivo, o Mjiba?

Começou como um fanzine, em 2001, onde publicava resenhas de livros e comecei a fazer meus primeiros poemas. Depois eu e minhas amigas sentimos a necessidade de fazer um evento onde só as mulheres negras pudessem falar no microfone, as mulheres negras. Fizemos o primeiro evento, o primeiro Mjiba em Ação, que tinha shows e poesia. Começamos depois a publicação dos livros. Aquela dinâmica de só deixar as mulheres participarem foi trazida para a editora. Todos os livros da editora Mjiba são feitos por mãos de mulheres negras, com um preço acessível. Todo o processo que a gente tem o controle, o projeto gráfico, as ilustrações, a revisão, toda essa equipe que a gente forma  é feito por mão de mulheres negras.

Qual o livro que mais te marcou e qual o livro que você acha que todo mundo deveria ler?

O livro que mais me marcou, que é referência na minha história, é o Zenzele - uma carta para minha filha, da escritora do Zimbabwe Maraire J. Nozipo Nkosana, que traz a carta que a mãe escreve pra filha que vai morar na Europa contando tudo que ela não pode esquecer.

Um livro que todo mundo deveria ler é Negras raízes, de Alex Haley. Alex Haley foi o biógrafo do Malcom X e é um negro da diáspora. No livro, ele conta a história dos seus ancestrais e da escravidão.

Expediente

Texto: Carolina Ruhman Sandler

Colagem: Roberta Chvindelman

Transcrição: Camila Mazzini

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