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Sobre loucura, ausências e literatura

Entrevista com Marcela Dantés
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A entrevistada de hoje é Marcela Dantés. Nascida em Belo Horizonte, em 1986, formou-se em Comunicação Social pela UFMG e possui pós-graduação em Processos Criativos pela PUC Minas. Lançou em 2016 a coletânea de contos intitulada Sobre pessoas normais (Editora Patuá), semifinalista do Prêmio Oceanos 2017. Seu primeiro romance, Nem sinal de asas, foi finalista do prêmio São Paulo de Literatura 2021 e do prêmio Jabuti 2021. Seu novo livro, João Maria Matilde, está sendo lançado em maio pela Editora Autêntica.

Você pode conferir uma parte do nosso papo em vídeo. Abaixo, uma versão editada e condensada da entrevista.


Os personagens de João Maria Matilde sofrem crise de pânico, Alzheimer, esquizofrenia… O que te motivou a discutir todas essas questões dentro do livro?

As questões psiquiátricas sempre foram muito fortes para mim. Convivi de perto com pessoas que têm questões parecidas e sempre me despertou o interesse porque acho que é uma coisa que toca o fundo na mente humana assim. São caminhos que não estão ali na superfície, que talvez a gente nunca entenda, mas que dão um pista de que tem muito mais coisa do que a gente possa imaginar na nossa cabeça.

As pessoas, seja na vida real ou na ficção, têm muito a entregar pra gente em camadas diferentes, então eu acho que eu vi nessas características a possibilidade de criar personagens que fossem mais ricos, mais interessantes por essa complexidade.

No livro, fica clara a sensação de que falta muito para os personagens, né? Faltam os óculos, falta remédio, mas acho que falta sobretudo uma maneira de ter um controle sobre as próprias circunstâncias. Você vê essa falta de controle como um espelho pra vida?

Sim, essa foi uma das minhas primeiras decisões no momento em que eu fui escrever o livro, com essas faltas e essas pequenas pistas ao longo da narrativa toda. São várias coisas que ou vão sumindo, que foram esquecidas ou que nunca existiram, desde um óculos até um pai. Eu acho que isso, de alguma forma, é uma metáfora pros nossos dias, talvez por uma insatisfação constante. Muitas vezes a gente nem sabe o que que a gente tá buscando, e isso vai construindo questões internas muito grandes. Essa dinâmica tem um impacto muito grande nas decisões da Matilde, que é a protagonista, e nos caminhos que ela vai percorrer: são essas faltas que a movem, muito mais do que as presenças.

A epígrafe do livro vem de Uma vida pequena, de Hanya Yanagihara. Como esse livro te inspirou para escrever João Maria Matilde?

Esse livro me atropelou completamente e segue me atropelando todos os dias que eu me lembro dele e todas as muitas vezes que eu já voltei para relê-lo. João Maria Matilde é fruto de uma residência literária, ele começou a ser escrito lá em 2016, quando eu estava em Óbidos, Portugal, e o livro que estava lendo quando cheguei lá foi o Uma vida pequena - e foi um livro que eu não conseguia largar. Lembro de chegar lá em Óbidos e eu já querer sentar e escrever o livro, mas eu não conseguia parar de ler. E é um livro muito denso, muito pesado, muito triste, mas ao mesmo tempo muito bonito e muito sensível. Terminei a leitura obviamente aos prantos, pensando no poder das palavras, no poder de uma narrativa e tive muita vontade de conseguir causar isso em alguém. Não tenho a pretensão de ter um livro como este, que vejo como mais importantes da contemporaneidade. Ele é ousado, é um livro de 700 páginas que não é cansativo. Não tenho nenhuma pretensão de estar nesse lugar, mas eu fiquei muito tocada com a potência da narrativa da Hanya e pensei: Bom, a partir de agora eu só quero escrever se for para isso, para tentar tocar as pessoas em lugares profundos.

Qual é o livro que mais te marcou e o livro que todo mundo deveria ler?

Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa, deveria ser obrigatório. Não é um livro fácil e você tem que estar disponível para mergulhar naquele universo. A partir do momento que você se doa um pouquinho para a escrita, logo você está ali no meio daquele sertão. Essa obra que é magistral. Tenho amigos que falam: eu vou ler, eu só acho que eu ainda não estou pronto. Está tudo bem, cada um tem que saber o seu tempo de ler, mas acho que todo mundo tem que passar pelo Grande Sertão um dia.

E o que me marcou foi Uma vida pequena, é um livro que eu volto, leio todo ano e é  muito importante para mim, uma grande inspiração.

Você já está trabalhando no próximo? Como é o seu processo criativo?

Estou já trabalhando no próximo, comecei agora. Acho que os dois últimos anos foram muito intensos com esses dois lançamentos tão próximos, o Nem sinal de asas, em 2020, e João Maria Matilde agora em 2022. Passei os últimos anos bem concentrada nesses processos e também na divulgação dos livros,  na troca com os leitores. Agora a coisa começou a dar uma acalmada assim, me veio uma uma vontade de escrever. De novo é sobre loucura, um viés completamente diferente. Ainda estou numa fase intensa de pesquisa, que é uma coisa que eu gosto muito de fazer. O meu processo criativo passa muito por isso, porque para mim o mais importante é construir as personagens. Antes de me sentar para escrever, tenho que ter muito delimitado quem são os personagens, tanto as protagonistas, como quem vai estar ali na volta, e como nesse livro serão quatro vozes narrativas diferentes, é um trabalho ainda mais complexo. Já comecei a escrever um pouco, mas só para sentir mesmo a voz de cada um, para sentir o rumo da narrativa. Minha parede está cheia de referências, aquelas linhas do tempo, uma estrutura mesmo, pois eu gosto de sentar para escrever quando vislumbro todos os rumos.

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Autores
Carolina Ruhman Sandler