Encerramos hoje esta série semanal com entrevistas com grandes autoras brasileiras. Foi uma honra e um privilégio poder conversar com nomes como Andrea del Fuego, Mel Duarte, Giovana Madalosso, Natalia Timerman e tantas outras. Ao final desta edição, você confere o link de todas as entrevistas realizadas.
Para fechar com chave de ouro, a entrevistada final é Noemi Jaffe. Nascida em São Paulo, em 1962, é doutora em literatura brasileira pela USP e crítica literária. Autora de A verdadeira história do alfabeto, vencedor do prêmio Brasília de Literatura, Não está mais aqui quem falou, O que ela sussurra, e o mais recente, Lili: novela de um luto, publicados pela Companhia das Letras. É fundadora da Escrevedeira, escola de escrita criativa.
Você pode conferir uma parte do nosso papo em vídeo. Abaixo, uma versão editada e condensada da entrevista.
Você fala em Lili que queria sentir a dor do luto para não perder sua mãe. Escrever esse livro foi um jeito para você se manter próxima dela?
Pra eu não perder ela. Pra não perder o cheiro dela, as memórias muito vivas, o corpo dela. Eu não queria perder, não queria esquecer, não queria que deixasse de doer. Então quis escrever no frescor do acontecimento mesmo pra manter ela próxima de mim, como você disse.
Escrever é o antídoto para o esquecimento?
Sim. Para muita gente é a forma de esquecer. Você escreve e consegue se livrar de alguma coisa e esquecer, mas pra outros casos é um jeito de lembrar também.
A certa altura do livro, você diz que a morte te torna mais parecida com quem você é, e essa pessoa é triste. Você ainda concorda com isso?
Muito, cada vez mais. Isso na verdade não fui em quem disse, foi a minha amiga Verônica logo no dia, ou no dia seguinte da morte da minha mãe, e essa frase que me tocou demais. Acho que se aproximar da morte, da nossa própria morte e da morte de pessoas tão próximas, faz com que algumas máscaras caiam, e que você se dê conta de que várias das coisas que você cultiva na vida não tem importância, não tem significado, não são o que você gostaria de ser, sabe? Então com essa proximidade da morte a gente se torna mais verdadeiro, mais humilde. Eu acabei de completar 60 anos, então agora que eu estou entrando nessa fase onde já dá pra ver a morte falando tchau lá na frente, tá longe ainda, mas já dá pra ver a mãozinha dela, acontece isso. Você vai falando que tem tanta coisa que eu não quero mais fazer, sabe? Então concordo sim.
Além do trabalho como escritora, você está à frente da Escrevedeira. As oficinas de escrita criativa fazem um escritor?
Olha, essas oficinas, não só as minhas, mas as de tanta gente que também dá oficinas, não transformam um não-escritor em um escritor. Elas fazem com que uma pessoa que tenha interesse em se tornar escritor, ou que já é um escritor, adquira uma consciência mais atenta, mais crítica do seu próprio trabalho, da sua própria linguagem, para que as pessoas consigam adquirir cada vez mais a sua própria marca autoral. É isso que essas oficinas fazem, mas é impossível, você não transforma uma pessoa que não quer escrever, ou que não tem interesse em se tornar escritor, né? Então a gente ajuda a potencializar as habilidades, os interesses, os desejos que cada pessoa já tem, é isso.
Qual foi o livro que mais te marcou e qual livro todo mundo deveria ler?
Então, essa pergunta é impossível… Cada semana eu te daria uma resposta diferente, e foram tantos que não tem como te responder. Mas eu gosto de falar do José e Seus Irmãos, de Thomas Mann, que foi um livro que me marcou profundamente. Não foi o que eu mais gostei na minha vida, é só porque ele teve um papel importante em algumas questões que pra mim são muito fundamentais. E um livro que todo mundo deveria ler, Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa.
Você está trabalhando já num próximo livro?
Estou começando, tá muito em formato de semente ainda, já tô sentindo que a coisa tá vindo, tô grávida.
Como é esse momento certo de acabar um livro e começar o outro?
Enquanto estou terminando um, eu já estou pensando no seguinte. Entre finalizar um e começar outro aquela semi-ideia vai tomando várias formas. Vou lendo vários livros que eu acho que têm a ver com o que estou interessada em escrever e assim, principalmente uma atmosfera vai sendo gestada, sabe? Acho que é mais isso, uma atmosfera que eu vou criando. Agora estou sentindo que essa atmosfera está chegando na minha mão, sabe, que o próximo passo vai ser digitar. Sinto que tá vindo essa vontade de escrever. Mas eu faço muita pesquisa. Preciso sentir o personagem, sentir a ambientação, então eu começo a sondar lugares, textos, pesquisas científicas, vou em alguns lugares, converso com algumas pessoas e fico sempre fazendo esse processo de pesquisa anterior à escrita.
Se você perdeu alguma das edições passadas, você pode conferir aqui:
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