A entrevistada da semana é a escritora, poeta e slammer Mel Duarte. Possui cinco livros publicados de poesia, sendo o mais recente Colmeia - poemas reunidos (2021 Ed. Philos). Em 2016, Mel foi destaque no sarau de abertura da FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty). Durante quatro anos integrou a coletiva Slam das Minas SP e em 2021 foi uma das finalistas do prêmio “Inspiradoras” do Instituto Avon e Universa UOL.
Você pode conferir uma parte do nosso papo em vídeo. Abaixo, uma versão editada e condensada da entrevista.
Você trabalha nos seus poemas a sua relação com seu corpo e com a estética. Como a escrita te ajuda a lidar com essas questões?
Quando eu comecei a escrever eu não tinha noção que a poesia e a palavra podiam transitar por tantos lugares - até porque tinha poucas referências. Conforme eu vou me deparando com outras mulheres escrevendo e com outras pessoas também compartilhando suas inquietações particulares, eu percebo que isso faz sentido. Quando eu começo a compartilhar as minhas inquietações, eu vejo o quanto isso chega em outras pessoas e as ajudam a refletir sobre tudo isso. Entendo que a poesia acaba condensando alguns pensamentos de uma forma prática e lúdica. Eu tenho minhas próprias inquietações e sinto que quando falo sobre o meu corpo, sobre o meu posicionamento, sobre a minha forma de lidar com essa sociedade, isso ajuda outras mulheres a se reconhecerem e poderem lidar com as suas próprias questões.
Você fala muito das questões da representatividade da mulher negra, dos estereótipos, do empoderamento feminino. Como a poesia pode nos ajudar a transformar a sociedade?
Eu acredito muito na palavra e na poesia como ferramentas de transformação social e de recuperação da autoestima do povo preto. Durante muito tempo, a gente deixou de ter essas referências, de poder ler sobre nós mesmos, através do nosso próprio ponto de vista. Quando a a gente conhece essas ferramentas e tem esse poder nas nossas mãos de fato, entende o quanto pode fazer a sociedade mudar a forma de pensar.
A poesia consegue virar uma chavinha na cabeça das pessoas que, às vezes, uma palestra de horas não consegue adentrar. Com a poesia, a gente consegue chegar às vezes em lugares inimagináveis dentro da gente. E quando consegue acessar esse lugar, de alguma forma, eu percebo que a gente começa a fazer uma mudança.
É claro que a poesia sozinha não é suficiente. A gente tem que correr atrás de muita coisa. Mas eu entendo que a palavra é, de fato, uma das ferramentas mais importantes que a gente tem.
Qual foi o livro que mais te tocou e qual livro que você acha que todo mundo devia ler?
Um livro que me tocou bastante foi Continuo Preta - A vida de Sueli Carneiro, de Bianca Santana. Eu sempre tive uma admiração muito grande pela Sueli e ela foi, de fato uma presença muito importante pra que, hoje também, outras mulheres negras tivessem espaço e a sua intelectualidade respeitada. O Brasil ainda não sabe do tamanho da grandeza dela. Fiquei muito impactada pela história dela.
O livro que todo mundo deveria ler é Irmã Outsider, de Audre Lorde. É um livro que vive do meu lado. Ele traz ensaios e conferências e fala também sobre a poesia, principalmente como a mulher negra utiliza a poesia como uma ferramenta de sobrevivência. Quando estou procurando palavras ou preciso refletir sobre algumas questões internas, sempre volto pra esse livro porque ele me ensina muito.
Como é o seu processo criativo?
Ah, ele é caótico. Eu não tenho muito um ponto de partida. Às vezes as pessoas falam "mas você tem um ritual pra começar a escrever e tal" e eu falo: quem dera a gente tivesse tempo hoje em dia de ter rituais assim. Qualquer momento, qualquer brecha, é uma brecha pra escrever.
Me conta sobre o Colmeia?
Ele é o meu livro mais recente, esse queridinho. Lancei no ano passado e é um livro comemorativo de mais de 10 anos de carreira. Nele eu trago os meus dois primeiros livros, Negra Nua Crua e Fragmentos Dispersos, junto com textos inéditos e outros que ficaram conhecidos pelas redes. Justamente por ser essa pessoa da oralidade, meus textos acabam ficando também muito soltos internet em vídeos e as pessoas não acham o texto escrito. Durante a pandemia, aproveitei, sentei e organizei toda a minha obra e reuni nesse livro toda a minha produção de 2012 até 2020.
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