Tikkun olam: Como reparar o mundo?
#Edição 285: Vai começar o Festival Literário do Museu Judaico de São Paulo
Está chegando um dos meus festivais literários preferidos - e eu não estou falando da Flip. Estou falando do Festival Literário do Museu Judaico de São Paulo, o FliMUJ. E nesta terceira edição do evento, tenho o maior orgulho de contar que esta newsletter é parceira de conteúdo do festival!
Eu amo que é um festival literário do museu judaico, e não um festival de literatura judaica. No FliMUJ, há espaço para autores e autoras judeus ou não, ligados por um fio condutor temático. Estou animadíssima, pois neste ano o tema é um dos meus temas favoritos do judaísmo: a ideia de tikkun olam, a reparação do mundo.
Esta é uma das bases do judaísmo: a noção de que a justiça social é fundamental para a religião. A frase vem da Cabala, que diz que o propósito de nossas vidas é consertar o que está quebrado no mundo. Como explica Noah Feldman no livro To Be a Jew Today, a Cabala conta que no momento da criação do universo, o D's infinito se contraiu, estilhaçou e quebrou em milhões de pedaços. Nossa missão em terra é reparar a quebra, através do seguimento dos 10 mandamentos e a realização de boas ações.
O movimento judaico progressista abraçou este conceito e transformou o místico em uma metáfora social. Tikkun olam tem agora uma conotação prática e concreta: o trabalho de aperfeiçoar o mundo é nosso também, e não apenas divino. Nossa missão é torná-lo justo. Por isso, o judaísmo de forma geral e o movimento reformista em especial têm uma grande tendência ao ativismo social.
Fiquei muito emocionada quando descobri que o tema desta edição do FliMUJ seria Como reparar o mundo?. Com curadoria de Daniel Douek, as mesas de discussão do festival são dedicadas a pensar nesta ideia.
"A força dessa ideia, que se entrelaça com ideais de outros povos, encontra-se no fato de que não se trata de regressar a um passado mais ou menos idealizado e, sim, de participar da invenção de uma realidade que jamais foi vivida. Nesse sentido, pode-se dizer que, contrariando tendências reacionárias, esta é uma ideia progressista", diz Daniel.
Como esta edição é a primeira pensada após os ataques do 7 de outubro, este é um tema tão vital. " Por um lado, os ataques do Hamas contra o sul de Israel reavivaram traumas do passado e acentuaram uma sensação de vulnerabilidade que muitos ainda não haviam experimentado. Por outro, a resposta de Israel, com ataques à Faixa de Gaza, provocou reflexões sobre a própria responsabilidade diante de ações de um governo que fala em seu nome."
O festival reúne em São Paulo nesta semana nomes incríveis, como Gershon Baskin, o mediador da negociação entre o governo de Israel e o Hamas na troca do soldado israelense Gilad Shalit por 1.027 prisioneiros palestinos, em 2011, Carla Madeira, Antonio Prata, Ariana Harwicz (autora de Morra, amor), Daniel Galera e tantos outros. Ainda há ingressos disponíveis - eles são gratuitos - e será uma oportunidade maravilhosa de pensar em como podemos, através da literatura ou não, ajudar a tornar o mundo um lugar melhor.
Se você for, não deixe de me dar um oi lá!
Estive presente e não sou judia, mas o tema chamou tanto a minha atenção que estarei de volta ao festival amanhã e sexta. Somos tão afetados pelo estado de permacrise da atualidade que particularmente não sei como driblar o peso dos problemas sociais na minha vida cotidiana, acredito que o que nos resta é tentarmos no plano individual acessar o que temos de mais humanizado em nós. Participar de um festival assim parece um pequeno grande passo. Parabéns aos organizadores! A conversa de hoje foi muito interessante e ao final especialmente tocante. Além da mensagem de que não cabe a nós brasileiros levantarmos bandeiras acerca de problemas extremamente complexos (que não nos dizem respeito e só enfraquecem a causa pois de nada acrescentam), fiquei certa de que aprender a trabalhar a escuta e cultivar o respeito à diversidade cultural é o caminho para repostas no mundo em que se fala e se alarde de forma rasa sem o devido confronto e diálogo. Outra: aprender o idioma daquele com quem não concordamos é a saída para um projeto de educação mais atuante e atual, foi lindo e muito estimulante!
gratos