- Você está grávida de quanto tempo? – pergunta a enfermeira obstetriz.
- Acabei de completar 37 semanas, então já estou na 38ª. Na verdade, 37 semanas e um dia.
Note bem: eu não conto o tempo da gestação em meses (como se fazia antigamente), nem mais em semanas, mas sim na base do dia a dia. Busco qualquer ferramenta mental para adiantar o tempo. Qualquer pessoa que não tenha passado recentemente por uma gestação não entende – e aí preciso explicar que estou de 9 meses. Sim, está pra nascer. Sim, a qualquer momento.
Estou há semanas contando o tempo dessa forma, até que percebi como este é um belo símbolo da minha ansiedade.
Não é que eu me sinta obrigada a dar detalhes da evolução da gravidez, mas não consigo não pensar, dia após dia, em quanto tempo falta para a chegada da minha bebê. O fato de não haver uma data marcada só aumenta a ansiedade.
Esse sentimento não é uma novidade por aqui. Ele sempre me acompanhou na infância, quando esperava a chegada das férias e a data de ir para o acampamento, mas depois ficava contando os dias para voltar para casa e, na sequência, nem dormia antes do primeiro dia de aulas do ano letivo.
Na adolescência, mal conseguia aproveitar tantos momentos porque a minha cabeça já estava na próxima prova, na próxima festa do grêmio, na próxima vez que iria fazer uma viagem com uma amiga.
A vida adulta chegou e a ansiedade só piorou. Ansiedade com o trabalho, com a carreira, com a vida amorosa. Com o casamento, com a gravidez, com tudo. Passei a ser a pessoa que faz listas mentais no domingo de tudo de bom e de chato que tenho previsto para aquela semana. Na terça vou jantar com a Sandra, mas na quarta-feira cedo tenho dentista.Aquela reunião com o cliente é só na quinta-feira, como vou conseguir esperar até lá? E assim por diante – repassando a minha agenda como uma maníaca, sempre em busca do que mais ansiar.
Estou lendo agora o livro Chatter: The Voice in our heads, why it matters and how to harness it, do psicólogo e neurocientista Ethan Kross (que será publicado em português agora em setembro) e vi um estudo que me impressionou: as experiências internas que você vive (como os seus pensamentos ansiosos) determinam mais a sua felicidade do que a sua experiência real em determinado momento. A nossa vida interna tem um peso desproporcional no nosso bem-estar.
Aprendi na prática que a ansiedade é viver no futuro. Esquece o aqui e agora – o ansioso está sempre lá na frente. Tentei abordagens medicamentosas e diversas outras técnicas. Óleo essencial de lavanda sempre no difusor na hora de dormir, quartzo rosa e ametista do lado da cama, homeopatia (obrigada, Weleda) e muita meditação – mindfulness, em português, se traduz em atenção plena. Quando entendi que o único objetivo da meditação é nos fazer presentes no agora, vi que aquilo era para mim.
Tudo isso ajuda, não tenha dúvida. Mas na gravidez, por algum motivo, não consigo meditar. Me dá vertigem, fico ainda mais ansiosa, então esquece. Nestes últimos 9 meses, tenho lidado com momentos de maior ou menor ansiedade. Agora, na famosa reta final, é só eu me deitar na cama que começo a pensar em todas as formas como o parto pode acontecer – e a ficar nervosa com cada uma delas. Normal? Cesárea? Bolsa rompida? Vai precisar induzir? Vou ter dilatação?
A necessidade é a mãe da invenção – e eu descobri que a única forma que tenho neste momento para relaxar e acalmar as tensões é pensar no absurdo. Eu explico.
Resolvi, por indicação daquela mesma enfermeira obstetriz, montar uma playlist para o parto. Escolhi todas as músicas que amo e que têm uma boa energia. Algumas com muito bom humor, outras cheias de amor para a chegada da minha pequena. Desde que ela ficou pronta, não consigo parar de ouvir – coloco sempre no random para não enjoar antes da hora. Quando vejo, estou fazendo dancinhas e estalando os dedos, da forma mais cringe que consigo imaginar. E é aí que começa a minha história:
Imagino a sala de parto não mais como aquele local estéril, mas sim como a cena de um musical. Parece saído direto de um episódio de Grey’s Anatomy. Vejo o meu obstetra (sempre tão sisudo) dublando Stevie Wonder em Signed, Sealed, Delivered (I’m Yours). As enfermeiras, obviamente, fazem os backing vocals.
Na minha imaginação, a anestesia é dada bem na hora em que os Beach Boys cantam “I'm pickin' up good vibrations/ She's giving me the excitations”, justo quando mais enfermeiros e enfermeiras surgem na sala de parto para completar o coro. Às vezes, até as outras grávidas do centro obstétrico aparecem também.
Se estiver difícil na hora das contrações, vejo que a sala de parto virou uma pequena boate, luzes mais escuras e todos perdendo um pouco do controle em Ain’t no Mountain High Enough. Se está na hora de empurrar, a força vem com Salt-N-Pepa mandando: Push It.
A Isadora nasce justo quando toca Somewhere Over The Rainbow (a versão de Israel Kamakawiwo’ole, aquela que faz um medley com What a Wonderful World) e todos na sala de parto se mexem com o ritmo, jogando as mãos de um lado para outro, num clima bem havaiano de paz e amor, aloha mahalo. Ela vem para o meu colo bem quando Mariah Carey canta Always Be My Baby (e as enfermeiras fazem o “do do doop dum”).
Não dá para não rir das minhas próprias bobeiras. Quando vejo, estou mais calma.
Eu prefiro esta versão para o parto – e por um instante, acredito que ele é possível.
🎵 Eu não aguentei e resolvi compartilhar a playlist com vocês:
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Amei👏👏👏👏