A sensação era de flutuar. Depois de um tempo deitada na cama lendo, levantei para buscar um copo d’água e fiquei chocada de me sentir pesada no chão, a gravidade de sempre agora tão palpável. Ao longo das décadas de vida de leitora, já ri alto e já chorei com um livro, já fiquei com um nó na garganta, já bateu aquela ansiedade de ver o desastre que se aproxima e você sem poder ajudar o protagonista. Já me apaixonei por personagens, já odiei tantos outros. Mas nunca um livro havia tornado a gravidade algo tão tátil. Na hora em que levantei e me senti tão pesada e presa ao chão foi que entendi que Orbital, de Samantha Harvey, é um livro que faz flutuar.
Ele entrou no meu radar quando vi que um dos finalistas do Booker Prize se passava no espaço - mais especificamente, na Estação Espacial Internacional (ISS). Tenho uma queda por histórias do espaço e ficção científica desde a infância, quando sonhava ser uma cientista da NASA (sem ter ideia do que isso queria dizer). No colegial, odiava as aulas de física e sempre precisava de reforço (os malditos bloquinhos!), mas um dia ganhei um livro que explicava a física - de Newton até as teorias mais recentes, supercordas e afins (O tecido do cosmo, de Brian Greene). Achei apaixonante. Dali para Cosmos foi um pulinho. Assim que descobri a existência de Orbital, encomendei na Amazon. Previsão de entrega entre duas a três semanas.
A curiosidade foi enorme - e o hype só cresceu depois que o livro foi eleito vencedor do prêmio tão prestigioso. Percebi que as tais três semanas viraram seis e assim que vi a
falando tão bem do livro no meu feed, corri para cancelar o pedido da Amazon brasileira e encomendar na versão americana da loja. Ele chegou em casa três dias depois.A versão simplista diz que Orbital narra um dia na vida de quatro astronautas e dois cosmonautas na ISS. Duas mulheres, quatro homens. Rússia, Estados Unidos, Itália, Grã-Bretanha e Japão representados na estação espacial. Dezesseis órbitas completas. Mas esta descrição é quase tosca. Você imagina grandes eventos e reviravoltas, o risco de uma explosão, uma crise diplomática, um furo em um traje espacial. No entanto, nada acontece de fato ali.
Nada, obviamente, se você espera uma trama, começo-meio-e-fim, ação e reviravoltas. Não sei nem se dá para considerar Orbital um romance. Mas basta começar a ler que você percebe que caiu de cabeça em algo especial, diferente, gigante, apesar de ser um livro tão curto. Descrições deslumbrantes que se sucedem de forma tal que você se questiona se aquilo não é um livro de poesia. Verso em prosa.
Devo ter grifado metade do livro, a lapiseira em punho colecionando imagens maravilhosas como naquele dia em que a maré baixou e eu e minha mãe descobrimos que a areia estava tão cheia de conchas que era impossível pisar e não espetar o pé ou quebrar alguma maravilha sem querer. Enchemos um balde, voltamos para casa, deixamos as conchas na mesa de jantar e voltamos correndo com dois baldes vazios para pegar mais e mais e mais.
“They look down and they understand why it's called Mother Earth. They all feel it from time to time. They all make an association between the earth and a mother, and this in turn makes them feel like children. In their clean-shaven androgynous bobbing, their regulation shorts and spoonable food, the juice drunk through straws, the birthday bunting, the early nights, the enforced innocence of dutiful days, they all have moments up here of a sudden obliteration of their astronaut selves and a powerful sense of childhood and smallness. Their towering parent ever-present through the dome of glass.”
A Terra é a resposta a todas as perguntas, é o lar de tanta beleza, é em si magnífica, brilhando no espaço, lar de mares azuis-turquesa, auroras boreais, florestas. É a única opção para nossa espécie. Durante o dia, não há um traço de civilização e ela parece tomada pela natureza. À noite, as luzes dos prédios, casas e estradas ficam visíveis e assim fica evidente: tem alguém ali. Mas do espaço, não existem fronteiras, territórios ou bandeiras. É uma coisa só.
Os astronautas e cosmonautas passam seus dias em uma rotina rígida e inventada para manter um senso de estabilidade. Não há dia nem noite no espaço. Ao longo das 16 órbitas, eles veem o sol se por dezesseis vezes e nascer outras dezesseis. O livro é estruturado com a ajuda dessas órbitas, que se tornam capítulos.
Um mapa no início ilustra as tais órbitas, mas foi difícil de entender tudo aquilo de primeira. Depois, eu queria consultá-lo o tempo inteiro, entender onde a estação estava a cada momento do livro - e então me lembrei que ela não é apenas uma nave espacial de ficção, mas existe e está cruzando os céus a todo momento a 17 mil quilômetros por hora. Desde que terminei o livro, não paro de consultar o site que mostra em tempo real onde a ISS está (agora, enquanto fecho este texto, ela está a alguns minutos de passar bem acima de São Paulo).
As descrições do espaço e da vista para a Terra são tão deslumbrantes e imersivas que a cada vez que fechava o livro, me redescobria presa ao planeta pela gravidade. Comecei a olhar para a vida ao meu redor lembrando que ela é mágica, um presente, um privilégio.
Li rápido, completamente indefesa a algo tão estonteante. E descobri que Orbital é uma leitura maravilhosa não apenas pelo livro em si, mas principalmente pelo jeito que me fez sentir.
(O livro será publicado na tradução em português pela DBA em 2025. Não perca).
Foi uma delícia flutuar com você também! ♥️ 🌎