Nas vésperas da pandemia, eu mal podia imaginar o quanto a minha vida iria mudar. Eu achava (creio que como todo mundo) que aquilo iria durar poucas semanas. Lembro-me da véspera de declararem a quarentena. Eu estava no aeroporto de Brasília voltando para casa após uma viagem de trabalho e desabafei com uma amiga: vai ser ótimo ter duas semanas em casa depois de tanta correria nos últimos dias! Ah, quanta inocência.
Corta para hoje. Em meio aos memes, fotos dos filhos das minhas amigas, selfies e receitas, uma provocação surgiu no meu feed no meio da semana passada: o seu EU de março de 2020 reconheceria o seu EU de setembro de 2021?
Foi daqueles momentos em que você vê um filme passar na sua cabeça. Em poucos instantes, vi todas as dores e alegrias, as mudanças e as surpresas que aconteceram nestes 18 meses. De dar até vertigem.
(Faço um disclaimer – assim como a Ana Raia, autora daquele post – de que este não é o texto motivacional de que “a pandemia veio para mudar as pessoas” ou que “toda crise traz oportunidades”. Temos que ter a devida seriedade e delicadeza para tratar deste momento tão horrível, que já levou a vida de quase 600 mil pessoas.)
Mas ainda assim, inevitável ver o tanto de crescimento que tive neste período. “Aceitar e dar nomes às mudanças, emoções e atitudes são etapas importantes em nosso processo precioso de autoconhecimento e evolução”, disse Ana Raia naquele post. Resolvi então aceitar o desafio e fazer esta reflexão com calma.
No começo de março do ano passado, fui daqueles que minimizaram a pandemia, acharam que era uma gripe e que o mercado financeiro estava era exagerando na reação. No dia 13 de março, no entanto, fui daqueles que quiseram se trancar em casa e não sair mais.
Coloquei minha família de quarentena antes de ela ser declarada no noticiário, deixei de ver meus parentes e virei a louca do álcool gel e da máscara. Entendi a gravidade da situação e desde então não abandonei mais estes hábitos. Não acho que vou conseguir algum dia voltar a frequentar lugares fechados sem máscara.
Depois, fui a doida das lives e, olhando para trás, sinto vergonha de muita coisa que disse naquele momento. Falei sim que haveria oportunidades, que muita mudança viria, numa tentativa bem desajeitada de ajudar um pouco tanta gente desesperada que começou a me procurar.
Durante as lives, eu tentava passar otimismo – e depois ia chorar de medo e cansaço. Eu estava fazendo o que dava, sentia uma responsabilidade de tentar contribuir de alguma forma, dar um alento para quem estava em pânico, ignorando os meus próprios fantasmas.
Eu não conseguiria imaginar naquele momento que iria entrar numa estafa de tantas lives e começar a ter crises de ansiedade antes de cada uma delas.
Eu não imaginava que iria precisar parar de trabalhar.
Não me passava pela cabeça engravidar de novo – eu cheguei a brincar com meu marido, logo no início da pandemia, que teríamos uma geração de filhos únicos. Afinal, quem iria encarar mais um bebê depois de tantas dificuldades que passamos com as crianças na quarentena?
Eu achava que já tinha entendido quem eu era, o que amava, o que queria fazer para o resto da vida, como era a minha família, que tipo de mãe eu era...
Não acho que ganhamos “presente” algum da pandemia. Mas acredito piamente que os momentos mais difíceis nos forçam a encarar todas as feridas que estavam ocultas. Quando a água bate no nariz, começamos a ver que algumas mudanças são inevitáveis. É na dificuldade que amadurecemos – e passado algum tempo, conseguimos ver valor em tudo aquilo.
Pode ser uma distorção na forma como nos lembramos do que nos aconteceu. O psicólogo Daniel Kahneman, Prêmio Nobel de Economia, explica isso com a sua Regra Pico-Fim: não temos a capacidade cognitiva de avaliar uma experiência em toda a sua complexidade e, por isso, pegamos um atalho. Para conseguimos decidir se algo foi bom ou ruim, lembramo-nos do momento mais intenso daquele evento e de como tudo aquilo terminou para depois podermos emitir um juízo de valor.
A teoria foi comprovada por uma série de experimentos – o mais famoso, envolvendo colonoscopias. Os pacientes foram divididos em dois grupos: o primeiro faria exame seguindo o procedimento costumaz, rápido e doloroso. Já o segundo seria submetido a um exame mais prolongado, mas que não tivesse picos tão fortes de dor. Qual você preferiria? Arrancar o band-aid metafórico logo ou proceder com calma e ter paciência em um momento bem desconfortável?
Quando li sobre este estudo, tinha certeza de que as pessoas prefeririam passar por aquilo rapidamente – quanto mais rápido acabasse tudo, melhor. No entanto, os resultados foram claros: os pacientes do segundo grupo avaliaram que a colonoscopia foi menos desagradável do que os do primeiro grupo. As pessoas estavam dispostas a ficar mais tempo naquela situação desagradável, só para não terem que passar pelos picos de dor agudos. Kahneman concluiu que temos dois “eus”: o que vive a experiência e aquele que se recorda dela. E nem sempre eles estão de acordo.
Por isso, sei que avalio a minha vivência da pandemia com um claro viés. Escrevo este texto banhada em um mar de hormônios de amor, apaixonada pela minha bebê e pela minha família.
Mas não há conclusão única e tampouco final feliz em tempos tão sombrios. Cada um precisaria fazer este exercício para avaliar como a pandemia mudou a sua vida e a sua visão de mundo. Só sei que muito da Carol de março 2020 não existe mais – e que gosto bastante da versão de outubro de 2021.
(E não podemos esquecer do lembrete: vacinas salvam vidas. Máscaras também.)
💉 E você? Conseguiria se reconhecer depois destes 18 meses? Conta pra mim!
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