- Você é ridícula. Quem pensa que é para achar que pode escrever?
Ela questiona e me sinto nua. Se falou, deve ter razão. Quem sou eu mesmo na fila do pão?
- É isso mesmo. Você não é ninguém. Tem 37 anos, ficou velha, é mãe e serve para outras coisas. Agora escrever? Jamais. Ficou tarde. Se fosse pra ser, já tinha acontecido. Ai, dá vergonha alheia só de pensar.
Já passou tempo, tem um monte de gente mais nova fazendo sucesso, quem vai querer me ler?
Se eu permitisse, o abuso continuaria por horas. Dias, meses, a eternidade. Só que neste ano, resolvi deixar de escutar essa vozinha interna por alguns minutos. É a voz do meu diálogo interno, aquela que me questiona, mina, censura e envergonha. Quando li O Caminho do Artista, descobri seu nome: Censora (mas cada um pode dar o seu).
Uma vez, conheci uma grande executiva que chamou a sua de Carrasquinha por incentivo da analista – no diminutivo mesmo, assim seria minúscula. A Censora a mandava ficar quieta, ordenava-a a não dar a opinião no meio daquela reunião, dizia para não aceitar a promoção. Os esforços da Carrasquinha foram em vão – da última vez que vi, ela havia virado CEO.
A minha Censora, resolvi, se chama Úrsula. Sim, a vilã do filme A Pequena Sereia. Aquela que quer roubar a voz da Ariel também estava atrás da minha. Um dia, achei uma boneca da bruxa e não resisti: comprei e deixei na escrivaninha, para lembrar o tempo todo como era asquerosa.
Fico pensando em tanta gente que deixa de fazer o que tem vontade por causa da sua Censora. Deixa de tentar, opinar, escrever, começar um negócio, bordar ou o que for, por confiar nessa voz interna que nos reflete e amplifica nossos maiores medos.
Comecei a discutir com a medusa, a enfrentá-la nas páginas dos meus diários. Reparava no que me dizia, escrevia tudo, quase uma psicografia do pensar. Depois, passei a rebater com a ajuda da caneta. No início, com raiva, no maior estilo cala a boca quem manda aqui sou eu.
Não estava funcionando. Os ataques continuavam, cada vez mais raivosos. Decidi então seguir a sugestão da Elizabeth Gilbert (Big Magic, te amo). A estratégia é simples: agradecer a contribuição da monstrega e então lembrá-la gentilmente que aquilo era desnecessário.
Aos poucos, prestando atenção nos gritos da Úrsula, eles diminuíram de volume – e eu passei a me arriscar mais. Resolvi começar a compartilhar meus textos, primeiro com a família e algumas amigas, depois nesta newsletter. Já até sei o que esperar. A cada texto novo, invariavelmente ela vem dar um palpite:
- Você vai passar vergonha assim!
- As pessoas vão dar unfollow!
- Não se exponha tanto!
Mas aprendi a deixar a paralisia de lado. Agradeço a preocupação e digo gentilmente que estou disposta a correr este risco. Sem escrever, nunca vou conseguir chegar ao outro lado.
Vem papear aqui comigo?
Ainda bem que você não dá muita bola para a Censora! O que seria da minha caixa de entrada sem os seus textos, da minha lista da Amazon sem as suas indicações, da minha lista da Netflix sem as séries e docs que vc indica? Abro um sorriso toda vez que vejo seu nome na minha caixa de entrada!
Obrigada por compartilhar, por ser real, por nos ajudar no desafio de ser mulher... livre de amarras e limitações.