“É preciso sair da ilha para ver a ilha. Não nos vemos se não saímos de nós”
José Saramago
Eu achava que estava tudo bem, mas quando a crise bateu e eu precisei me afastar, vi que o “tudo bem” estava a milhares de léguas dali. Uma hora o corpo cobra a fatura de tantas horas direto de trabalho, tanta performance, tanta pressão de fora e de dentro.
Antes da crise, costumava já receber muitas mensagens de gente que acompanhava o meu trabalho e perguntava como dava conta de tudo aquilo. A verdade é simples: eu apenas achava que dava. Assim como tem quem antecipe o décimo terceiro salário ou a restituição do imposto de renda, eu apenas estava antecipando a energia e a disposição dos meses vindouros. Um dia, o banco resolveu que eu não tinha mais crédito e quando dei por mim, estava esvaziada, esgotada.
Não havia alternativa senão parar e, num primeiro momento, fiquei identidade. Aos poucos, no entanto, comecei a descobrir e reencontrar partes minhas que estavam escondidas, mofando num porão escuro – e vi como havia editado o meu senso de eu.
Dia desses, recebi uma newsletter com a seguinte frase do filósofo Alain de Botton:
“Um colapso (…) é uma tentativa de uma parte de nossa mente de forçar a outra a encarar um processo de crescimento, autocompreensão e desenvolvimento que até agora ela havia se recusado a empreender. Se pudermos colocar isso de forma paradoxal, é uma tentativa de iniciar um processo de recuperação – para ficarmos bem de verdade – por meio de um estágio de adoecimento.
(…) Não ficamos doentes; já estávamos doentes. Nossa crise, se pudermos superá-la, é uma tentativa de nos desalojar de um status quo tóxico e pode ser vista como um apelo insistente para reconstruirmos nossas vidas em uma base mais autêntica e sincera. Ela pertence, da forma mais aguda e apavorante, à busca por autoconhecimento.”
A crise me forçou a encarar tudo que não desejava ver – mas depois dela, passei a sentir gratidão, pois o cenário aqui de dentro era de terra arrasada. Hoje, estou me acostumando a arar, regar e plantar – e começo a ver as primeiras flores surgindo. Elas são belas, pois são o fruto do equilíbrio com a autenticidade.
Muitas de vocês me escreveram e deixaram comentários depois da edição passada da newsletter para dizer que a crise vem pro bem, que o burnout ensina – e eu não podia concordar mais. Quando alguém está em pleno colapso (pra usar o termo do Botton), é impossível enxergar nada disso. Mas uma pessoa maravilhosa me disse naquela época que havia o tempo de plantar e o tempo de colher. Eu vinha colhendo da minha criatividade e do meu trabalho de uma forma predatória havia muito tempo. Chegara o momento do plantio. Só iria conseguir vislumbrar a saída e descobrir qual seria a colheita lá para frente.
Então parei. Descansei. Saí das redes. Fiquei sem fazer nada. Li muito (muito mesmo). Brinquei mais, comi mais, respondi menos emails. Cuidei das minhas filhas. Mergulhei no mar. Comecei a olhar para dentro. E vou te falar: o que comecei a encontrar aqui era lindo.
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Sim, concordo com tudo o que disse. Só o fato de sermos mulheres, temos que ficar de olho, de tanto que a mídia falar que somos super heroínas, acreditamos e com isso vamos fazendo tudo que aparece e achando que é normal, dar conta de tanta coisa, trabalho, família, filhos, etc
Espetacular Carol!! Parabéns!!
Sou fã do Alain e sua fã também
Arrasou nessa !!!
😘😘😘❤️❤️❤️💪💪💪🙏🙏🙏