Esta edição da newsletter é diferente, pois o texto foi escrito em dupla. Falamos aqui sobre o reboot de Sex and the City e como a série fala acima de tudo sobre amizade, não dava para escrever sobre ela sem convocar uma amiga - quer algo mais atemporal do que isso?
Atenção: contém spoilers!
Por Carolina Ruhman Sandler e Helena Cunha di Ciero
And just like that, não temos mais 20 anos. Não estamos mais em Paris, no ápice da juventude, tomando vinho juntas todas as noites e assistindo religiosamente a todos os episódios de Sex and the City. Não discutimos mais quem é a Carrie e quem é a Samantha - a seriedade da vida adulta se impôs em algum momento, filhos, carreira e casamento viraram o centro das nossas conversas. And just like that a gente percebe que a vida ganhou uma densidade diferente. De repente, não mais que de repente - como dizia Vinícius.
Agora, cada uma assiste aos episódios do novo capítulo da nossa antiga série preferida na sua casa - e depois corre para o DM para discutir com a outra. Com a mesma urgência de antigamente, aquela urgência de cumplicidade que só as grandes amigas conhecem a potência. "Amiga, preciso falar com você, você assistiu?". Uma amiga é sempre uma testemunha.
A série sempre teve fama de fútil, mas nós discordamos: elas não eram fúteis, elas eram jovens. Como nós já fomos um dia, no começo dos anos 2000, por uma sorte tremenda: Juntas em Paris. A grande questão era qual restaurante, qual sapato, qual cinema. Elas eram livres e podiam viver o seu auge sem se preocupar com nada. Não havia medo de ser cancelada, de errar os pronomes, de estar desconectada do mundo. Quando é a sua vez de estar no auge, a vida é leve mesmo. Você entende as regras do jogo.
Uma de nós morava na rua onde Hemingway escreveu o livro Paris é uma festa, que dizia: "Paris é uma festa quando se é jovem e tem pouco dinheiro, assim a cidade pode ser vivida por inteiro". Hoje, alguns anos depois e outras séries já assistidas, algumas sem final feliz, fica evidente: Não era Paris que era uma festa, a juventude sim que era uma festa.
Agora, nossos filhos dizem que somos cringe - e ver a decadência de Carrie, Miranda e Charlotte reflete a nossa também. Nenhum sapato de cristal ou do Manolo vai nos poupar da dor de pisar na dura realidade. And just like that, pessoas que amamos vão embora,sem aviso. Amores viram amizade, os filhos crescem. E negar as mudanças trazidas é ir contra os movimentos de sístoles e diástoles da passagem do tempo. É negar o aprendizado que as experiências nos trazem.
Nós também já estivemos no auge e sabíamos exatamente o que era bacana e o que não era, as regras do flerte e qual drink certo pedir num bar. Não somos mais cool - mas ao menos somos autênticas.
Na decadência das três melhores amigas, somos confrontadas com o fim do amor, com a morte, com o vício que tomou conta e com o vazio dos que teimam em não assumir essa passagem do tempo.
Se cada personagem ali representa algo, a Charlotte é o símbolo do nosso lado que teima em lutar contra o tempo. A Charlotte é Peter Pan do pós-pandemia, não quer crescer e por isso parece oca. E o pior: incapaz de ter empatia com a dor do outro pois toda a sua banda mental está focada na sua tentativa de preservar o tempo. Uma coisa é ser ageísta, outra é negar a realidade de que não temos mais 20 anos. Uma hora achamos a personagem ridícula, mas no momento seguinte sentimos a sua dor. Como assim não estamos mais em 2004?
Já Miranda nos angustia, pois escancara o fato de que não crescemos com uma educação antirracista. Não - somos filhas dos anos 1980, quando fazíamos cinzeiros na escola de presente para o Dia dos Pais. Não somos racistas, mas o preconceito teima em escapar de nossas bocas e ficamos o tempo todo correndo atrás do próprio rabo, buscando no nosso vocabulário o que não pode ser mais dito. Judiar, denegrir, inveja branca… Mas a personagem, tenta e mesmo parecendo inadequada, não desiste. E isso é admirável. Miranda está tentando. Mas tal qual Charlotte, está também perdida na negação de seu alcoolismo.
Para quem lembra da Carrie correndo por Nova York de saia tutu, vê-la viúva é um tiro a queima roupa. É um lembrete: and just like that, a vida te tira o que você achava que era o mais precioso. Ser confrontada com a mortalidade e a finitude de uma forma tão crua - justo quando o que você esperava era entretenimento - dói demais. Parece uma traição. Mas a vida tem disso também, lembra? Aonde a gente espera leveza, de repente vem um golpe que nunca podíamos ter imaginado. Não foram poucas as nossas amigas que também perderam o sono depois daquele episódio.
(E a Samantha?, você nos pergunta. Talvez a sua ausência seja a representação de que não precisamos mais discutir a nossa autonomia e liberdade sexual - as meninas de 2021 estão a anos-luz das meninas de 2001. Mas, vamos combinar: elas eram amigas. Seria melhor se ela tivesse morrido, a nos dizerem que a Carrie e a Miranda brigaram por causa de job).
No fundo, a série é sobre impotência. Elas eram tão poderosas and just like that se tornam vulneráveis e frágeis. And just like that, sem aviso prévio, a gente envelhece e precisa cuidar dos pais. Precisa enfrentar a morte com uma frequência insistente. O nosso lugar preferido fechou e agora, nos restaurantes da moda, ficamos a observar como os outros se vestem.
O que sobra então? Aquelas pessoas que atravessam a vida ao seu lado. Testemunhando cada capítulo, seja em forma de existência concreta, ou na forma de ausência saudosa, feito Samantha e Big. E essas pessoas são feito Paris, uma festa móvel que a gente carrega no peito.
Helena Cunha di Ciero é psicanalista e escritora
Gostou desta edição? Compartilhe então com um amigue!
Eu não flanei por Paris na minha juventude, nem fui fã ardorosa da série 'Sex and the city', provavelmente pq já estava às voltas com as demandas insanas de criar filho (fui mãe aos 21, a louca). Mas assisti com curiosidade os novos episódios de 'Just like that' e concordo MUITO com esta resenha aqui, Helena e Carol: a série retrata nossa vulnerabilidade, fragilidade, mostra o lado mais pé no chão do que se convencionou chamar 'vida adulta', com seus receios, perdas, pequenas alegrias no meio das demandas todas... A vida adulta dos 50 anos (minha faixa etária tb), não a juventude insolente de antes! Acho que a equipe de produtores (incluindo Sarah J. Parker) acertou MUITO ao propor e produzir a série! Just like that!