Quando peguei Covid no final do ano, tudo o que pensava era no fim do isolamento. Ao mesmo tempo que estava louca para poder sair do quarto, beijar a Bia, abraçar o Luiz e amamentar a Izzy sem máscara, morria de medo dos riscos de transmissão. Quem foi que disse que em dez dias eu não seria mais uma fonte de contaminação?
A ansiedade crescia no ritmo da passagem do tempo. Ao final do nono dia, a Bia me perguntou se já podia me abraçar, mesmo que de máscara. Ainda não, respondi. Vamos seguir as orientações do médico.
No entanto, ficava aquela pulga atrás da orelha: se eu posso na quinta-feira de manhã, por que não na quarta à noite? Quem foi que disse que transmito uma hora e deixo de fazê-lo na hora seguinte? Qual é o minuto mágico desta virada?
Já passava das nove horas e a sensação era de aguardar o badalar da meia noite que transformaria os resquícios do vírus em abóbora e nós poderíamos viver felizes para sempre, com beijinhos e abraços e carinhos sem ter fim. Chega de saudade, diria Tom Jobim.
Aquele limiar me pareceu fictício. A verdade é que criamos marcos. Aniversários, réveillons, períodos de isolamento com data para terminar – são todos limites auto-impostos para tentarmos construir algum tipo de controle sobre o indomável. Assim sabemos quando podemos sair do quarto, quando crescemos e envelhecemos, quando temos uma chance de começar algo novo. Como se a vida fosse assim: uma transição imediata.
Eu sei que a lógica do tempo do isolamento segue uma margem de segurança para minimizar o risco de novas infecções. Mas ali eu me equilibrava na corda bamba do desejo de agarrar os meus e o medo de bobear bem na reta final. Decidimos ser pacientes e aguardar o amanhecer que viria em algumas horas.
Enquanto pensava nestas divisas inventadas, lembrei que muitas outras não o são. São as menos famosas, que não estão no calendário de ninguém. O teste positivo, o acidente, o telefonema, o farol fechado, a nota da prova. Mas estas ninguém te conta, você as descobre por conta própria, na marra.
A vida muda das mesmas duas formas com que aquele personagem de Hemingway quebra em O sol também se levanta: gradualmente e, então, de repente.
Com a Covid, entendi que há uma terceira opção: aleatoriamente. Eu peguei o vírus em dezembro, quando ainda havia um consenso em torno do período de dez dias de isolamento. A vez do Luiz chegou agora em janeiro – e o consenso sumiu como um algodão doce que cai numa poça d’água. Alguns dizem que são cinco dias, outros sete, outros dez. Um médico nos garante que oito dias são suficientes, enquanto outro nos explica que essa tentativa de reduzir o isolamento é resultado de uma pressão econômica.
Isolados, trocamos matérias com recomendações de órgão oficiais e entrevistas de médicos como figurinhas: por WhatsApp.
Uns nos chamariam de exagerados, outros, de conservadores. Até que chegou uma hora em que decidimos seguir a nossa intuição e pecar pelo excesso. Faltam poucos dias, consolamo-nos.
Enquanto isso, fico com Tom Jobim na cabeça. Duvido que ele tenha imaginado que um dia a canção serviria de trilha sonora para o isolamento numa pandemia. Mas saudades são saudades são saudades são saudades.
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Me delicio com teus textos.
que delícia de texto, amiga <3