Talvez seja por ter assistido a filmes do Woody Allen demais, ou graças à naturalidade com que a minha família sempre falou sobre terapia. Todos faziam e eu comecei cedo também. Nunca houve tabu algum sobre o assunto.
Por isso, quando meu namorado contou o que os pais eram psicanalistas, me empolguei e comecei a perguntar se ele também já tinha feito (óbvio que sim) e a contar sobre a minha experiência com psicanálise.
Eu tinha dez anos e comecei a ter dores de cabeça inexplicáveis. Minha mãe me levou para fazer uma série de exames, mas nenhum apontou nada. A solução foi sugerida pelo pediatra: coloca essa menina na terapia.
As dores passaram logo, mas eu amava as sessões com a Dra Ester e continuei a frequentar o consultório dela por quatro anos. Ela acompanhou o fim da minha infância e o meu primeiro amor. O primeiro beijo, novas amigas, o comecinho da adolescência.
Um dia, acabou a luz e ela me disse, despreocupada, para acendermos uma vela. Eu nunca havia riscado um fósforo – criança (super?) protegida. A solução dela foi simples: me deu uma caixa de fósforos e me ensinou a riscar. Adorei aquilo. Por algumas sessões, brinquei com fogo. Experimentei queimar itens diversos, gostava de ver como os materiais mudavam de forma, cor, cheiro.
Comecei a incrementar as minhas queimadas até que coloquei fogo em um copo de plástico cheio de isopor e papel rasgado dentro. A fumaça foi intensa a ponto de termos de mudar de sala após apagarmos o pequeno incêndio.
Ou foi o que pensei, pois na sessão seguinte encontrei a mesa onde brincávamos com um buraco enorme no centro, chamuscado nas bordas. A vergonha foi desmedida – me odiei por ter causado aquele estrago. Boas meninas não dão prejuízo. Tempos depois, ainda me sentindo culpada, parei de fazer análise com a Ester, enquanto me preparava para a mudança de rotina no colegial. Ela nunca ficou brava comigo, mas eu fiquei horrorizada com o que havia feito.
Quando contei a história para meu então namorado, não tive como perceber alguma mudança no rosto dele. Eram apenas os primeiros dias de namoro e ainda não conhecia cada uma das suas microexpressões. No nosso encontro seguinte, no entanto, ele estava sério e disse que precisava falar comigo. Sabe aquele momento em que dezenas de cenários mais ou menos catastróficos passam na sua cabeça? Pois então.
A minha mãe te conhece. Foram instantes apenas para entender exatamente o que ele queria dizer. A mãe dele, a quem ainda não havia sido apresentada, era a minha antiga analista, a minha primeira analista. Aquela cuja mesa eu botara fogo.
A vergonha toda voltou na hora, não sabia onde me esconder. Meu único consolo: ela não testemunhara a minha adolescência ou os meus anos de rebeldia. Eu era tão desligada a ponto de nunca ter associado aquele sobrenome – o sobrenome do meu então namorado – à minha primeira analista. O sobrenome que se tornaria meu também. Quando ele falou, tudo fez sentido.
Logo combinamos um almoço para ele me apresentar aos pais. Chegamos ao restaurante e me emocionei de encontrar aquela mulher tão querida, tão importante em uma fase da minha vida, ali, encarnada na forma de sogra amorosa. Nos abraçamos apertado naquele reconhecimento e pude então finalmente tirar aquilo do ombro: me desculpa pela sua mesa.
O tema desta edição veio daquela brincadeira de “5 curiosidades sobre mim” nos meus stories. Você ainda não me segue no Instagram? Então corre aqui:
Nossa! Que fato legal!!!!! Amei essa história!! Me emocionei aqui. Obrigada Carol!!!
As coincidencias nao existem, acontencem por uma razao (mesmo que nao a entendamos ou possamos percebe-la). Neste caso um privilegio!