Eu não gosto de comparar minhas filhas com outras crianças, mas neste caso é quase impossível. Eu sei, cada um tem o seu jeito — e é isso eu desejo para as minhas crias. Meninas únicas, criativas, com suas preferências, jeitos e personalidades.
A Bia tem oito anos. Todas as outras meninas da idade dela gostam de unicórnios e lhamas. Como não gostar? São lindos, fofos, adoráveis, coloridos — pelo menos no Tiktok. E o principal: se a sua filha entrou na fase de um desses animais (unicórnio é animal?), é fácil escolher uma mochila para o novo ano letivo. O difícil, no caso, é controlar o impulso consumista que acompanha. Você encontra de canecas a roupões com aquela temática, de cadernos a roupas de cama, tudo o que a sua imaginação permitir e que o cartão de crédito puder parcelar.
Quando eu era criança, havia menos opções, mas com um universo considerável de possibilidades dentro do tema. Pijama da Barbie, lençol, caneta e estojo da Barbie, mochila da Barbie e se você fosse muito sortuda, a Casa da Barbie. Todas as meninas curtiam as mesmas coisas e desejavam os mesmos itens.
Mas a minha filha não. Ela não é dos unicórnios nem das lhamas (e muito menos da Barbie) — ela gosta mesmo dos axolotes. Se você nunca ouviu falar deles, não te culpo. O bichinho apareceu na vida dela em um jogo de iPad e foi amor à primeira vista. De repente, só falava sobre axolotes — e lá fui eu no Google ver que cara tinha o animal.
Ela dizia que era um peixe, mas logo descobrimos que é um anfíbio, primo da salamandra. O axolote vive em água doce e seu habitat é um lago com nome hilário na Cidade do México, o Xochimilco (agora me diz que este nome não ia fazer sucesso na sua casa com seus filhos, vai). Eles são conhecidos como ‘monstros da água’, mas, devo confessar, têm uma carinha simpática, com um sorrisinho desdentado no rosto. Desdentado mesmo, pois eles não têm dentes, nem os adultos. Como dá para ver, fizemos muita pesquisa nos últimos tempos.
O problema é que ela entra de cabeça na história. Quer ter um aquário com axolotes em casa (socorro). Quer uma mochila de axolotes — que só vende nos Estados Unidos e tem frete em dólar. Sofre por não encontrar uma blusa de axolote para exibir a sua paixão para os amigos na escola. Desenha axolotes, coloca fotos deles sorrido na tela de fundo do tablet e, sobretudo, nos desafia. “Qual é o seu animal preferido, mamãe?”, na esperança que eu me esqueça dos axolotes por alguns instantes e cometa o pecado mortal de dizer que é a nossa cachorrinha, a Flor. Se isso acontecer, estou frita. Ela fecha o tempo, vira a cara e vai embora, ofendida em nome de todos os axolotes do planeta.
Não é a primeira vez que um amor exótico acontece. Para ser sincera, os axolotes são uma grande evolução da mania anterior: morcegos. Em meados de 2020, ela resolveu que o morcego era o seu animal favorito — e isso durou mais de um ano. Ela planejava viagens imaginárias para selvas e matas, só queria se vestir de preto e aprendeu inclusive a gritar como um.
Eu não preciso de um diploma em psicologia para entender de onde veio aquela paixão. Ela também ouviu a história de origem do coronavírus, do chinês que comeu um morcego infectado com o vírus e se tornado o paciente zero da pandemia. A raiva e o medo gerados pela pandemia, a frustração de ficar trancada em casa, longe da escola, dos amigos e, honestamente, de qualquer outra criança, foram todos condensados numa percepção clara: se ninguém tivesse comido o morcego, não estaríamos nesta situação.
A lógica dela ditou a próxima etapa da mania: vamos proteger os morcegos. Afinal, eles são os animais mais fofos do planeta. Olha essa carinha, diz que não é linda, mãe — e ai de quem discordar (mas vou poupar vocês de uma foto).
Já tivemos outras fases também: raposa do ártico, dragões. Tenho a tranquilidade de saber que o frenesi dos axolotes também há de passar e curiosidade de saber qual será o substituto — até porque ela não aguenta ficar sem uma paixão. “Está faltando algo na minha vida”, ela reclamou para mim dias antes de conhecer os tais anfíbios.
Seria mais cômodo para mim se as lhamas fossem seu próximo objeto de amor? Com certeza. Não ficaria sempre com aquela cara de “me desculpa” a cada vez que ela resolve apresentar os axolotes para porteiros, professoras e parentes. Mas, no fundo, sei que não é isso que quero. O meu maior desejo é que esta menina continue a ser esta pessoa curiosa, original, interessada e maravilhada que eu amo. Se o custo disso for aprender a me apaixonar por um animal estranho por semestre, tenho certeza que saiu barato.
a sensibilidade com que você escreveu sobre isso encheu meus olhos de lágrimas, amei amei!
amei conhecer o axolote!!