Olá!
Nesta edição, estreamos as colagens da maravilhosa Roberta Chvindelman, criadas especialmente para esta newsletter. A partir de hoje, as colagens acompanharão nossas edições. Espero que você goste tanto quanto eu!
A minha mãe me tirou do balé aos sete anos e demorei muito para entender o motivo. Dizer balé já era um exagero — estava mais para uma aula de expressão corporal. Mas tinha um recital no final do ano e me dediquei. Lembro de amar as aulas.
Todas as férias, frequentava um acampamento e sempre escolhia fazer parte da turma da dança — e sempre ficava com um papel menor. Nunca era a menina da frente, mas não desistia. Me esforçava para aprender a coreografia e morria da inveja das meninas que pegavam tudo com uma graça e naturalidade que eu nunca tive.
Anos depois, descobri o que houve com as aulas de balé: eu era totalmente descoordenada (ainda sou). Minha mãe me disse que passei vergonha na tal apresentação e quis me poupar daquilo. Ela queria me preservar.
Sempre gostei de dançar. Amo música, soltar o corpo, sentir aquele descarrego, o virar rio e aprender a fluir com a canção. Mas nunca mais no salão — a vergonha ficou incrustada, uma pepita que guardei dentro de mim num reconhecimento inevitável — não levo jeito para aquilo.
Meu lugar então virou a pista. Nos meus vinte e poucos anos, era onde eu era mais feliz. Meus sábados tinham destino fixo: o Milo, uma garagem pequena onde tocava o melhor som do mundo. Chegou ao ponto de estar numa outra boate um dia e uma pessoa vir falar comigo: te conheço, você é do Milo. Como se por frequentar tanto um lugar, acabasse me tornando parte dele.
(Uma das minhas promessas pós-pandêmicas é ir dançar. Encontrar uma boate divertida, sair com amigas e dançar até cansar. Faz tempo, sabe).
Conto tudo isso pois comecei recentemente a lutar kickboxing — e descobri que a técnica é quase uma dança. Treino na academia do prédio, na frente de vizinhos e vizinhas que parecem estar em forma há milênios. Preciso aprender cada movimento, posição, chute e soco. Cada jab bem dado é um outro descarrego. Mas a vergonha me segura, sou como a menina descoordenada na aula de balé de novo.
Me vejo desajeitada no espelho. Como se meus braços e pernas fossem incapazes de acertar uma sequência tão óbvia para todos, menos para mim.
Na última aula, contei para o meu professor como me sentia, e ele me disse algo que me tocou fundo: aprender a lutar exige muito mais coragem — e isso você já tem. Ele me assegurou que eu não estava fazendo feio — e me apeguei à certeza dele.
A vergonha não vai sumir por um passe de mágica. Mas essa conversa foi mais um momento em que a luta me ajudou a me sentir mais forte. Comecei a treinar para perder os quilos que ganhei na gravidez — mas descobri na luta uma forma de me superar uma fragilidade que me acompanhava há mais tempo do que eu me dava conta.
Quem sabe depois não arrisco voltar para uma escola de dança.
Expediente
Texto: Carolina Ruhman Sandler
Colagem: Roberta Chvindelman
Transcrição: Camila Mazzini
Excelente texto e colagem! Eu também era essa menina que me esforçava bastante nos ensaios mas dançava beeeem desengonçada e esse ano resolvi que iria fazer ballet adulto. A primeira aula eu me senti feliz de estar fazendo mas bem tímida. Agora já estou me sentindo mais confiante a corajosa para sair dando muitos pliês por aí. Estou encantada com a dança que parece tão delicada e que exige tanta força para execução.
Me peguei pensando, por conta das minhas próprias histórias e tb por causa das minhas filhas: vc acha que sua mãe decidiu certo em te tirar do balé e ter gerado essa vergonha ou vc preferiria talvez ter ignorado que era sem jeito e ter continuado se esforçando, talvez sem sucesso? Me pergunto isso sempre...