Chegou em mim em formato de fofoca: ele não gosta do meu cabelo. Ela ainda está com aquele cabelo de menino? Que horror.
Na hora doi, não tem como não doer. Suspendo a minha opinião sobre mim mesma e me vejo com o olhar do outro: feia. É um momento como a roupa nova do imperador – a magia que envolvia a minha nova veste magnífica se esvai e eu estou ali, nua, sujeita aos olhares e julgamentos de todos os outros.
Foi no mesmo fim de semana do Oscar e da piada do Chris Rock sobre o cabelo de Jada Pinkett Smith. A situação é completamente diferente: ela é uma mulher negra, eu sou branca. Ela tem alopecia, um problema de saúde. A piada foi transmitida ao vivo e ela estava na plateia. Teve toda a história do tapa que nem quero discutir aqui. Não quero comparar dores, mas foi impossível não perceber:
Na nossa sociedade, o corpo da mulher é visto como se fosse de domínio público. Está ali para ser criticado, julgado, avaliado e discutido por quem quiser.
Já falaram do meu corte de cabelo. Já falaram da minha pupila: é escura demais, parece que você não tem. Já falaram da minha sobrancelha: é clara demais, você precisa pintar.
Já falaram do meu peso, do meu nariz, da minha barriga. Do meu penteado, do jeito que seguro os braços, da largura do meu braço. Do meu joelho e da minha canela. Dos meus pés e das minhas mãos. Da forma como pinto minhas unhas. Do meu andar, do meu dançar, do meu sentar.
Não é exagero – ouvi cada uma dessas críticas. Te convido a fazer este autoexame: quais partes suas você já ouviu serem criticadas e esquadrinhadas?
O que estiver à mostra pode virar assunto – e tem muito que ainda não mostro. Não gosto de usar shorts. Só consigo vestir uma saia acima do joelho se estiver abaixo de um número específico da balança. Na praia, prefiro vestidos longos. Quando saio de casa, com a maquiagem certa. Meu corpo precisa de retoque e reparo.
Minha estética, minhas escolhas, meus gostos não parecem vir ao caso. Se me sinto bonita, parece uma afronta: tudo aquilo está errado, como você pode achar que está certa?
No livro O mito da beleza, Naomi Wolf conta como o padrão de beleza se tornou uma ferramenta de controle da mulher. Nós nunca estaremos magras o suficiente, belas o suficiente, adequadas o suficiente. Quando chegamos perto, o ideal muda: se antes o belo era sobrancelha fina, agora o certo é grossa. A moda muda e nós seguimos nessa busca incessante pelo padrão – que não é padrão coisa alguma se ninguém se encaixa nele.
O nosso valor é medido pelos nossos corpos e pela nossa feminilidade. Em A coragem de ser imperfeito, Brené Brown revela que o ponto de vergonha e vulnerabilidade da mulher é o corpo, enquanto o do homem é a falta de potência (nos negócios, na vida, na cama).
Esses dois livros (e tantos outros mais) me explicam o porque de me sentir tão mal comigo mesma. A culpa não é minha: é uma construção social. Ainda assim doi.
Depois de um tempo da fofoca, fui para o espelho – e lembrei que gosto do que vejo. Me gosto de cabelo curto – me sinto forte, bela, sexy. Me sinto eu mesma.
Resolvi então não abraçar e aceitar aquela crítica. Escolhi aceitar que o outro pode não gostar – mas desta vez, isso não vai significar que eu vou mudar. Esta sou eu – e é assim que me gosto.
Quer mais?
Expediente
Texto: Carolina Ruhman Sandler
Colagem: Roberta Chvindelman
Transcrição: Camila Mazzini
Excelente reflexão! Que carga pesada carregamos 😓
Amiga, que texto! Eu tenho 1,87 de altura e meu corpo sempre foi motivo de comentário. Foi só depois de ler "O Mito da Beleza" que eu me livrei de uma série de questionamentos que não vinham de mim, mas das pessoas à minha volta. Para mim, você é linda por dentro e por fora! E acho seu cabelo curto um charme. Um beijo