Passei muitos anos acreditando que existe uma progressão óbvia nas nossas escolhas: escola, faculdade, trabalho, casamento, filhos, ascensão na carreira, aposentadoria, c’est fini. Esse caminho certo funcionava como uma bússola dentro de mim, mesmo vendo tantas pessoas ao meu redor que optavam por modelos diferentes.
Casamento, divórcio, filhos, casamento.
Carreira um, filho um, carreira dois, filhos dois e três, sabático, carreira três.
Filho e carreira – sem casamento.
Filhos um, dois, três e quatro, só então foca carreira – e continua trabalhando por prazer depois dos 80 anos.
E eu, que sempre me achei liberal e progressista, achava lindo quando era o caso dos outros, mas não ousava pensar em sair do caminho que eu havia traçado a caneta para mim.
Quando tive o meu burnout, no ano passado, a reação era de que eu devia fazer o possível e impossível para manter a minha vida exatamente do jeito que eu havia construído – sem me dar conta de que um esgotamento daqueles era sinal de que aquilo tudo não estava funcionando.
Mas você só consegue bater a cabeça na parede algumas vezes antes de se dar conta de que deve haver um outro caminho.
Foi quando decidi parar – e comecei a buscar o novo para mim. Parei de pensar no como deveria ser e foquei no que eu gostaria que fosse. Se eu perguntasse em silêncio, a resposta gritava dentro de mim: uma vida para ler e escrever. Minha mudança veio toda de uma vez só: o fim do meu negócio, mais uma filha, um mestrado e uma nova carreira.
Na semana passada, na análise, cheguei à conclusão de que a vida não precisava ter corrimão. Que aquela progressão toda que eu havia considerado regra por tanto tempo não estava inscrita em código algum.
No dia seguinte, comecei a ler Os coadjuvantes, de Clara Drummond, e encontrei ali um eco: “a vida sem corrimão me parece tão misteriosa e inconcebível como a vida no espaço sideral, ou a vida após a morte, ou aquilo que éramos antes de nascer”. A narradora do livro diz que precisa se “agarrar a qualquer coisa material, que sirva como ponto de referência” – e eu reconheci ali uma sede que senti durante tantos anos.
A literatura às vezes nos explica melhor o sentido dos nossos próprios pensamentos. Eu não poderia ter menos a ver com a personagem que narra o livro, mas precisei ouvir dela uma continuação da minha sessão de análise para formatar melhor as minhas conclusões.
A vida sem corrimão é mais difícil. Sinto que muita gente olha e não entende as minhas escolhas, que a falta de progressão as deixam encafifadas. Tem quem queira me chamar para um almoço e ouvir toda a história e tem quem desconverse depois de descobrir que eu não carrego mais aquele antigo cartão de visitas.
Mas descobri que a minha vida sem corrimão é mais feliz, mais satisfatória, mais leve. Mais autêntica. E isso, resolvi, não troco por nada.
Nossa, amei. Me identifiquei.
A gente se diz moderna e mente aberta, mas, na verdade, na hora de sair da caixa das convenções, a coragem some e o medão do que vai ser se descontruirmos tudo o que temos como certo (por mais errado que esteja soando) nos paralisa. Me sinto assim. Obrigada pelo texto.