O livro resenhado por aquele perfil literário que eu adoro.
O livro recomendado pelo professor de escrita criativa.
O livro que está na bibliografia optativa do mestrado.
O lançamento que está todo mundo lendo – e postando que gostou.
O clássico que eu sempre quis ler e senti que a hora era agora.
O recebido da editora que fica piscando para mim do criado-mudo.
O que ganhei de presente de uma amiga que me conhece de trás para frente.
Os que moram na minha fila, empilhados, esperando pacientemente.
Todos gritam juntos: é a minha vez.
Eu nunca li tanto na minha vida. Quando tirei a minha licença, no começo do ano passado, mergulhei nos livros. Literatura é cura para mim. Encontrar um tempo para me dedicar à leitura foi o presente que me dei e que me ajudou a sair do burnout.
Com aquele tempo todo disponível, achei que sair da média de um-por-mês para um-por-semana seria suficiente para dar conta de todos os livros que gostaria de ler.
Ah, quanta inocência. Quanto mais leio, mais quero ler. Um livro que gostei chama outros três para conversar – e entrar na minha lista. Você gostou de O avesso da pele? Então não pode perder Marrom e amarelo. E assim a fila cresce.
Comecei a acelerar. Um livro a cada dois, três dias. Começo feliz por finalmente conseguir pegar aquele volume, mas a ansiedade pelos próximos vai ficando tão grande que quando dou por mim, estou devorando só para pegar o seguinte.
Mas nem todo livro foi feito para ser lido dessa maneira (qual será que foi?). Como saborear a delicadeza e profundidade de cada um, se me sinto presa na versão literária daquelas competições de quem consegue comer mais hot dogs em cinco minutos?
Na semana passada, parei para ver tudo o que havia lido nestes quatro primeiros meses do ano e vi que foram mais de 20. Tem um lado meu que acha lindo esse número – é o mesmo que gosta de acompanhar as estatísticas do Kindle e anota todas as recomendações de leitura que atravessam o meu caminho. Que prefere livros curtinhos, pois assim o ritmo continua intacto (ai, que vergonha).
Foi então que fui atravessada pelos textos da Ariela Kilinsky e da Bárbara Bom Angelo (falei sobre eles na edição da semana passada das 5 dicas bacanas). Juntas, elas me provocaram: esse tal ritmo de leitura não é um indicador de grande valia. Literatura não é fast food – e desacelerar para aproveitar o livro é a única forma de realmente sentir a obra ressoar dentro de mim.
Só que a lógica comercial do Instagram não funciona assim: você precisa querer ler e postar logo para partir para o próximo livro que está todo mundo falando. Quando li as reflexões da Ariela e da Bárbara, me lembrei que o ritmo de leitura não tem como ser ditado pelo algoritmo.
E só então percebi como ando ansiosa com as minhas leituras: ao invés de me ajudarem a desacelerar, entrei numa corrida maluca contra o Instagram todo para ver quem lia mais. Minha natureza é competitiva; queria ver os outros postando só de livros que eu já havia lido para me sentir na dianteira.
Dianteira de quem? E mais: ganhar para quê? Quem devora não saboreia. E se tem algo que eu não gosto de ser é rasa. Prefiro um outro lado meu: o que grifa passagens, leva para a terapia, discute com amigas e revê cenas no meio da insônia. É o lado que relê frases com calma só para curtir mais um pouco.
Estou lendo Guerra e paz neste ano como parte de um projeto literário: um capítulo por dia. Como são 360 na obra, é uma proposta perfeita para o ano. A cada sábado, recebo um email com uma resenha dos sete capítulos da semana anterior. Estou apaixonada pelo livro, mas recentemente, vi que termino a cota da semana já no domingo – e preciso me segurar para não querer acelerar tudo e terminar a obra completa o quanto antes.
Ler neste ritmo está me ensinando a aproveitar uma obra-prima a conta-gotas. Carrego o príncipe Andrei, a condessinha Rostova, o conde Pierre e todos aqueles personagens comigo aonde vou. No meio da semana, me pego folheando as páginas lidas daquela semana só para curtir mais um pouco. E me lembro: eles vão me acompanhar até o final do ano. Não preciso correr. Posso aproveitar e me permitir reler esse parágrafo tão genial mais uma vez.
Não vou conseguir ler tudo o que quiser nesta vida. Escrevo isso e me lembro de um personagem do filme Questão de tempo que tem o poder de voltar no tempo - e ele usa isso para ler todos os livros que quiser. Quando assisti ao filme, bateu aquela invejinha que a ficção às vezes nos traz: esse era o superpoder que eu queria ter.
Mas a vida tem mais do que livros – e eu quero também viver. Chegou a hora de fazer as pazes com a ideia de que nunca haverá tempo suficiente. Decidi reduzir a marcha e aproveitar a paisagem – dos livros e da vida.
Caiu essa ficha pra mim uns dias atrás quando comentei com meu companheiro que ano passado tinha lido X livros e esse ano até agora só tinha lido X. Ele comentou: e a quantidade de livros lidos importa pra que? É uma competição pra ver quem lê mais? Isso ficou ressoando na minha cabeça... Percebi tbm que acompanhando perfis de influenciadoras literárias me despertava a vontade de comprar mais livros do que dou conta de ler e que não pretendo ter uma antibiblioteca física como o Umberto Eco. Podemos chamar essa sensação de "fomo literária".
Me identifiquei muuuito com esse texto!
"Chegou a hora de fazer as pazes com a ideia de que nunca haverá tempo suficiente", perfeito!
Obrigada por isso, tenho certeza que essa frase vai me acompanhar por um bom tempo. :)