Eu não consigo ler sobre a morte. O livro até pode ter um personagem que morre no meio da trama – esses eu aguento, em meio às lágrimas. Mas um livro sobre o tema? Esquece.
Não consegui nem chegar perto de O ano do pensamento mágico, de Joan Didion, por mais que tanta gente diga que é o livro mais maravilhoso do mundo. Não consegui virar uma página de A ridícula ideia de nunca mais te ver, de Rosa Montero. Peguei Isso também vai passar, de Milena Busquets, e larguei em dois minutos.
A ideia de encarar uma obra inteira sobre a morte, dor e luto já é, por si só, mais do que consigo encarar neste momento.
Virou quase uma superstição: se eu não pensar na morte, nada vai acontecer comigo e com aqueles que eu amo. Nada (peço em silêncio, negocio, chantageio). Bato na madeira três, seis, nove vezes. Doze, só para garantir.
Eu não era tão apavorada assim antes de ter minhas filhas. Mas a chegada da Bia, há oito anos, mudou para sempre a minha relação com este medo. Antes ele era algo abstrato. Depois da maternidade, virou um manto pesado que visto o tempo todo. Parece que ganhei um radar para todo e qualquer perigo que esteja ao alcance dela.
No começo, eram as quinas, a tomada desencapada, a piscina, as escadas. Hoje em dia é o motorista do ônibus da escola, as redes sociais com seus padrões de beleza inatingíveis, todo programa sem a minha supervisão. Meu papel como mãe é não permitir que meus temores a impeçam de viver.
Agora, com a chegada da Isadora, eles ganharam outras proporções. Recentemente, comecei a acordar de madrugada e não conseguir mais dormir. O medo é um monstro que vive embaixo da minha cama. Ele me acorda e me força a fazer planos de tudo que preciso fazer para proteger a minha bebê.
Eu sei que o medo é o lado B do amor. Sei que esse pavor é diretamente proporcional ao tanto que amo as minhas meninas. Eu sei que quando a manhã chega, o que era motivo para pânico de madrugada vira só um item a mais no meu checklist. Protetor de tomada, protetor de quina, rede para janela, check check check.
No entanto, chega a noite e o monstro vem me atormentar de novo.
Vou para a terapia, discuto tudo, compreendo todos os mecanismos. Aos poucos, as noites melhoraram – falar sobre o medo é jogar luz nele. As insônias ficaram para trás, junto com os pesadelos. Só não me peça para ler sobre a morte, tá?
Me identifiquei muito! Também em terapia, entendi melhor que toda a minha infância foi cercada de muito medo, e tento não repetir isso com minha filha. As tomadas estão travadas, vida que segue. Mas o medo de não estar mais aqui pra cuidar dela é real, constante, aterrador. Só nos resta viver um dia de cada vez. Deixo meu abraço solidário.
Eu te entendo demais, especialmente sobre esse lance da maternidade. Não posso mais morrer, desde que Catarina nasceu. rs
Mas sabe que eu sou exatamente o contrário em relação aos livros? Eu gosto demais desse tipo de livro, que tem a morte como tema. Não por lidar bem com ela, mas justamente porque acho que a literatura me ajuda a passar pelo tema de um jeito melhor. Entrar em contato com o jeito como cada autor/a lida com isso, me faz construir outros significados por aqui também.
Aliás, li "Isso também vai passar" tem alguns anos e ficou bastante comigo. Nem é um livro incrível, mas toca em pontos bem doídos e a protagonista é bem "humana", sabe?