Você já se perguntou o que teria acontecido se tivesse escolhido um caminho e não outro? Se tivesse optado por outra faculdade, não tivesse aceitado aquele emprego ou ido para um outro destino nas férias de verão?
A pergunta que não me deixa é o que teria acontecido se eu não tivesse ido morar naquele prédio. Saí da casa da minha mãe aos 24 anos e estava quase decidida a ir para um predinho antigo em Higienópolis. O tamanho era perfeito e o aluguel cabia no meu bolso.
Um dia, meu pai me ligou para falar que tinha encontrado um nos Jardins que parecia promissor. Vai lá olhar. Quando cheguei, me apaixonei e em um mês assinamos o contrato.
O apartamento era lindo – e era um prédio onde parecia só morar gente jovem e solteira. As minhas amigas viviam brincando que o mais legal de vir me visitar era andar de elevador. Você nunca sabia quem poderia te acompanhar.
Quando me mudei, estava namorando e não olhava muito para os lados. Mas era inevitável com o vizinho do 53. Ele estacionava o carro ao lado do meu e vivia segurando a porta do elevador para me esperar, enquanto eu descarregava as sacolas do supermercado. Uma noite, encontrei-o na garagem chegando do trabalho, enquanto eu saía para a minha pós-graduação. Sempre aquele papo de vizinho, de elevador, sabe como é.
O meu namoro acabou e decidi que não queria sair com ninguém, ir a balada alguma, encontro às escuras nem pensar. Só que na véspera da minha viagem de Réveillon com uma turma para a Colômbia, encontrei o tal vizinho.
Fui ao térreo buscar o delivery. Quando entrei no elevador, lá estava ele. E eu, com aquela sacola de comida, morrendo de vergonha do cheiro que enchia o pequeno espaço, resolvi puxar papo. Não deu tempo de conversar sobre muito entre o térreo e o quinto andar, mas foi o suficiente para ele segurar a porta quando o elevador parou e perguntar de novo o meu nome. Carol, e você? Luiz.
O jeito com que ele me olhou foi único. Quando a porta finalmente fechou, subi até o 17º recuperando o fôlego.
Fui viajar pensando nele. Quando voltei da Colômbia, decidi passar um tempo na casa da minha mãe – estava me preparando para me mudar para Singapura. Havia recebido uma proposta de emprego e como era jovem e solteira, decidi aceitar. Aquilo pesou muito mais até do que a própria descrição do trabalho. Vai saber quando poderia entrar numa aventura como aquela de novo.
Uma semana depois da minha volta, precisei ir ao apartamento para pegar algumas roupas e outras coisas. Na hora que entrei, vi que havia uma carta junto das correspondências. Soube imediatamente que era dele. Dizia que tinha ficado comigo na cabeça e queria saber se eu não topava tomar um café um dia desses.
A carta estava ali havia alguns dias, então corri para responder. Na época não havia WhatsApp, então mandei um email mesmo para aceitar o convite. Só que ele estava a caminho do aeroporto (juro), ia passar duas semanas a trabalho nos Estados Unidos (juro). A data do retorno dele era três dias antes da minha partida para Singapura (juro). Combinamos de tomar aquele café quando ele voltasse.
Nesse meio tempo, tudo mudou: a viagem dele foi estendida e a minha partida, adiada. Ele chegou a menos de três semanas do meu embarque. Quando me avisou, habilmente consegui transformar aquele café num jantar.
No jantar, lá pelas tantas, ele me perguntou se seria muita loucura se dissesse que queria ir me visitar em Singapura. Era claro que não. No dia seguinte, comecei a contar para as minhas amigas que estava namorando e ninguém entendeu nada: eu estava prestes a partir.
Avisei também minha mãe: pode escrever, ele vai lá me visitar e quando eu voltar pro Brasil a gente vai se casar. Tenho certeza de que muita gente me achou maluca, mas foi exatamente isso que aconteceu.
Vi na semana passada um post da Natalia Timerman no qual ela mostrava um prédio onde quase foi morar após terminar a faculdade de medicina. “O que teria sido diferente se minha vida tivesse se assentado aí por algum tempo? Que vizinhos, que caminhos, que esbarrões, que desencontros teria havido então?”. Este foi um exercício que já fiz diversas vezes.
Se eu não tivesse ido morar lá naquele apartamento, não teria conhecido o Luiz. Apesar de virmos do mesmo lugar (somos os dois judeus de famílias vindas da Polônia, Ucrânia e Bessarábia), não tínhamos um único amigo em comum. Não frequentávamos os mesmos lugares, não gostávamos dos mesmos programas. Ele é mais velho do que eu e vivíamos em mundos bem diferentes um do outro. A única coincidência foi que eu fiz quatro anos de análise com a mãe dele – e ela é tão grandiosa que vale por todas as outras inexistentes.
Gosto de imaginar o que nossos antepassados diriam. Será que vieram do mesmo vilarejo? Será que se conheceram ou que os seus caminhos se cruzaram de alguma forma? O que será que nossos bisavós pensaram quando deixaram a Europa sombria dos anos 1920 para tentar algo novo no Brasil? Será que temeram pelas suas raízes e identidade fora do mundo tão judaico onde moravam? Impossível saber – mas crio ficções inteiras com base nessas perguntas.
Doze anos depois, com dois apartamentos, duas filhas, uma cachorrinha, inúmeras viagens e incontáveis risadas, brigas, filmes, garrafas de vinho, implicâncias, insônias, almoços de família, festas, passeios de carrinho, caminhadas de mãos dadas, discussões sobre nossas carreiras, segredos sussurrados, piadas internas, choros e gargalhadas e sonhos compartilhados, consigo dizer: ainda bem que não fui para o outro prédio.
Linda história, Carol. Adorei saber. Me pergunto o que teria acontecido se meu marido, paulistano, e sua família não tivessem ido morar em Recife quando ele era adolescente. E ainda outro se: se eu tivesse passado no vestibular na primeira tentativa em outra faculdade como tanto queria, não teria cursado jornalismo no mesmo ano da irmã dele. Será que nos conheceríamos em outros lugares? Por outros meios? Será que você e seu marido não iriam se encontrar em outros prédios? A vida e suas surpresas e nossa eterna indagação. beijos
Fiquei encantada com a história! Como a vida pode ser imprevisível e ao mesmo tempo um completo cliché. Lindo demais! Também me pergunto sempre sobre os outros caminhos não tomados (não com tom de arrependimento, só curiosidade mesmo rs). Obrigada por compartilhar :)