Eu estava na entrada da escola, 6:30 em ponto, com a Bia, e as crianças chegavam para a primeira excursão de suas vidas. Até aquele momento, eu estava feliz, tranquila, orgulhosa com a euforia da minha filha que dava os primeiros passos para se tornar mais independente.
Não foi fácil chegar até ali: muitas discussões sobre se permitiríamos ou não ela ir. Todos os medos que envolvem deixar outras pessoas cuidarem dela e de suas necessidades físicas e emocionais. Quem dirigiria o ônibus? A empresa do passeio de barco tinha alvará? Faria muito frio? Menina, olha o frio que vai fazer.
Munida da lista que a própria escola havia mandado, comecei a montar a mala dias antes da viagem. Toalha de piscina, toalha de banho, moletom, lanterna e lá vamos nós. Percebi que ela tinha poucas blusas de manga longa e nenhum moletom mais felpudo e saí correndo para o shopping.
No sábado à noite, dois dias antes da viagem, nos sentamos juntas para fazer a mala. Ela tem organizadores de mala personalizados que ganhou de uma tia-avó e resolvemos que era a oportunidade perfeita para estreá-los. Eu nunca tive esse nível de organização – sempre fui do tipo que coloca o que dá na telha, o que sempre resulta em exageros mil e algumas peças estratégicas faltando. Mas, na minha ausência, a mala da Bia tinha que suprir todas as necessidades do mundo.
A lista já era grandinha e cresceu com uma mensagem que recebi da diretora: estará frio, portanto, levem mais agasalhos, meias, blusas quentes e afins. O meu plano original de usar uma bagagem de bordo foi rapidamente descartado. Só as duas toalhas enchiam metade daquilo. Pega a sacola de rodinhas, sugeriu o Luiz.
A mala estava perfeita: se molhasse um tênis, tem outro no saquinho marcado “tênis”. Todas as roupas estavam marcadas com o nome dela. Passei o shampoo e o condicionador para frascos de viagem devidamente etiquetados para ela saber qual era qual – cortesia da etiquetadora do meu marido.
Chegamos na escola e encontramos a professora ao lado do bagageiro do ônibus. Já deixamos com ela a mala, o RG e a autorização. A Bia correu para encontrar os amigos e foi aí que vi: todas as crianças estavam com malas de mão. Simples, leves, menores. Pelo menos nenhuma outra mãe me viu chegando com aquele trambolho - mas o alívio durou pouco.
Comecei a sofrer por causa da mala. Era enorme, eu era uma exagerada, aquilo não fazia sentido. Afinal, a Bia estaria de volta na noite seguinte. Para que aquele exagero? Enquanto me chicoteava mentalmente, veio a vozinha que comecei a cultivar depois de décadas de análise: é a transferência, estúpida.
O problema não era a mala – mas sim toda a minha ansiedade transferida para a bagagem dela. Seria o primeiro acampamento, a primeira vez que ela dormia fora de casa sem ser a casa dos avós e amiguinhas mais próximas. Agora era outra história.
Naquele momento, deixei de ser a pessoa que sempre jurou que a prole seria tão independente quanto eu. Fui sozinha para o acampamento aos 5 anos de idade. Aos 11, fui para a Tailândia sem meus pais. Morei em Paris aos 20 anos e ganhei lá o gosto de viajar sozinha pelo mundo. Com 24, saí da casa da minha mãe e aos 25, fui trabalhar em Singapura sem data para voltar. Eu havia me prometido que iria fazer de tudo para as minhas filhas aprenderem a ser iguaizinhas a mim neste quesito: autônomas e desbravadoras. Mas ali, eu era só a mãe que havia exagerado na mala da filha e estava com o coração apertado de angústia.
A Bia mal me deu tchau, tamanha a empolgação, e logo subiu no ônibus. Olhei para o Luiz e pedi para ele me tirar dali – eu não estava dando conta da emoção.
Saímos da escola e mandei uma mensagem para a minha mãe desabafando tudo. Ela me respondeu com um post do Instagram: “Minha filha está ficando igualzinha a mim. Valeu, karma”.
Na hora, me vi menina, subindo feliz para os ônibus da vida. A Bia está realmente tão parecida comigo... Quer viajar com as amigas, usar coturnos, escrever livros, pintar os cabelos e é a rainha da enfermaria da escola – assim como eu. Dramática, intensa e tão falante.
Mas minha mãe me corrigiu: ela não estava falando da minha relação com a Bia, mas sim da nossa relação. Entendi ali que ela foi a mãe que ficou também de coração apertado ao ver a filha de cinco anos subindo no ônibus do acampamento. “Me vejo tanto em você”, ela me escreveu.
Somos as mães que vibram e sofrem ao verem suas filhas subindo no ônibus. Nunca imaginei como me emocionaria ao entender simultaneamente a alegria da minha pequena e o sentimento da minha mãe. Naquele momento, eu virei três: eu mesma, minha mãe e minha filha.
Karma, agora descobri qual é a sua.
Não sou mãe, mas me emocionei com este texto. Parabéns! Conseguiu passar todo o seu sentimento!
Perfeito