Na segundo ou terceiro mês da pandemia, quando começamos a entender que aquilo iria levar muito mais tempo do que as duas semanas de quarentena anunciadas inicialmente, eu comecei a fazer uma lista. Fazia a minha e perguntava para aos poucos ao meu redor qual era a deles. Falava com minhas amigas por WhatsApp e perguntava: qual é a sua lista?
Era a lista do que queria fazer quando tudo aquilo acabasse. Um certo tempo já havia passado e já dava para sentir saudades daquele mundo anterior, que parecia finado.
Naqueles dias, onde o mundo começava e terminava na porta do elevador de casa, fazer a lista era uma espécie de terapia. Ela me ajudava a lembrar com nostalgia de tudo que parecia ter desaparecido para sempre. Eu assistia ao filme do casamento do meu irmão, que havia acontecido no finalzinho de 2019, e aquilo parecia um evento extinto. Como assim tanta gente grudada, dançando colado, distribuindo abraços e beijos como se fossem confete? Depois, anotava na minha lista: sair para dançar e só voltar para casa com os pés doendo.
Era uma forma de acreditar que o “novo normal” da época era, na verdade, o pico da crise e que tudo haveria de voltar. Tinha que voltar.
Minha lista continha um pouco de tudo: viajar um fim de semana com uma turma de amigas. Ir ao salão fazer a mão e uma bela hidratação. Tomar um drink num bar. Abraçar a minha avó. Levar a Bia ao cinema. Pegar um chai para tomar na sala de embarque para Paris (ai que chique).
Muitas delas ainda não aconteceram e nem sei quando chegará a sua vez. Na época, parecia uma questão de honra ticar cada item daquela lista com a mesma tenacidade com que eu encarava as minhas tarefas do trabalho. Eu aguardava o dia em que a pandemia teria acabado, pois já contava com uma agenda completa.
Mas a realidade é mais ambígua e complexa. Já entendemos que o fim da pandemia é algo que cada um vai declarar por si, mesmo que ainda falte um tempo para isso acontecer de fato. Não foi a vacina ou a decisão de desobrigar o uso de máscara que impediu o vírus de continuar a fazer estragos por aí. O que parece contar agora é mais o nível de esgotamento ou resistência com as precauções que cada um sente frente ao novo aumento do número de casos, sem muita coerência na hora de decidir o que pode ou não.
Vou sentindo o que dá para fazer e qual pode ser o próximo item da lista a ser realizado. Mas posso dizer aqui que nenhum deles foi tão prazeroso quanto voltar a sair para almoçar sozinha.
Isso é algo que que eu amo desde que me entendo por gente comecei a trabalhar. Secretamente, sempre preferi sair sozinha, com um livro, e ter um momento de respiro no meio do caos do dia, do que encarar um almoço de turma.
É um pequeno presente: escolho, se possível, uma mesa próxima à janela, peço uma coca zero (ou uma taça de vinho, quem sabe) e um prato gostoso sem o risco de ser julgada por ninguém. Abro o livro e tenho certeza de que aquele é um bom dia. Se eu estiver com tempo, peço uma sobremesa e até um chá. Indulgência pura.
Isso era algo que eu fazia pelo menos uma vez por semana antes da pandemia. Dizia para minhas colegas que não podia ir almoçar naquele dia sem dar muitas satisfações e saía para meu encontro comigo mesma. Vinha aquela a sensação gostosa de fazer algo escondido.
Chegou a pandemia e acabou a minha farra. Sair para almoçar era algo tão proibitivo que nem havia a possibilidade de pensar em fazê-lo sozinha. Ficamos todos trancados em casa e, no meu caso, junto com a minha família. Sozinha foi algo que sumiu do meu vocabulário.
Voltei a sair aos poucos e já estava frequentando restaurantes há algum tempo, mas nem pensava em ir sozinha. Minha rotina mudou tanto que isso ficou parecendo uma relíquia da vida pré-pandêmica, um fóssil.
Mas um dia, há duas semanas, aconteceu. Sem planejamento. Eu estava fora de casa desde cedo e enrolada até o meio da tarde. Sem companhia. Um dia pesado, cheio de notícias difíceis. Quando percebi que poderia ticar mais um item da lista, me deu uma euforia que não cabe aqui neste texto. Peguei meu livro, escolhi um restaurante japonês, pedi a minha coca zero. Tinha o sabor de férias.
o tanto que eu me identifico com esse texto!
quando eu voltei a trabalhar após a licença maternidade (Catarina tinha seis meses), eu AMAVA sair para almoçar sozinha. raramente almoçava com o pessoal do escritório. eu pegava meu livro, escolhia o restaurante que estava com vontade naquele dia (trabalhava em Pinheiros, então eu podia escolher entre chinês, armênio, hambúrguer, quilo, mexicano, empanados ou qualquer outra coisa) e era uma hora de puro deleite comigo mesma! para uma mãe isso é sim uma amostra grátis do paraíso.
Carolina,lí sua crônica com um sorriso cúmplice nos lábios.
Uma coisa interessante, tbm está na minha lista dançar muito. Mas uma coisa que sempre gostei e intensificou após os dois anos, eu já fazia com frequência em viagens ao exterior e estou adorando fazer aqui é, ir ao museu, ao cinema, ao bar, solita! Fiquei mais introspectiva, gosto de escrever e adoro ter meu tempo, sem pressão alguma, para observar o que meus olhos, escolherem . Adoro suas crônicas.