Eu queria entender o que se passa na cabeça de quem ouve música sem fone em público. Juro, não consigo. É algo que vai completamente contra minha essência.
Eu estava esperando a consulta com a dermatologista e aproveitava para tirar o atraso de algumas leituras. Já estava irritada, pois era difícil de me concentrar com aquela senhora que discutia com a secretária por 10 minutos (estou sendo literal aqui) sobre como a gengiva da Fátima Bernardes é feia (juro). É duro ler quando tem uma conversa tão sem pé nem cabeça ao seu lado. Prestar atenção ao papo alheio se torna uma espécie de obrigação nestes casos.
Ela terminou o papo categórica (“Não dá pra ser bonita com uma boca daquelas”), achou um assento vazio e abriu o celular. Meu alívio, no entanto, durou pouco. Ela começou, para o meu pavor, a ouvir música sem fone no meio da sala de espera.
Eu não consigo. Tenho pânico de incomodar ou ser inconveniente. Prefiro sempre o meu desconforto ao alheio. Meu professor de kickboxing vive pedindo para eu levar uma caixinha de som para a academia do prédio. Impossível. Treinar com música é comprovadamente melhor, mas o que os vizinhos iriam pensar? Me irrito com todos que resolvem povoar o ambiente sonoro do espaço comum. Tem um senhor que gosta de fazer esteira ao som de música clássica. Não dá para imaginar que um jab possa sair minimamente decente ao som de Debussy.
A alternativa, diz meu professor, é treinar de fone. Mas não dá – uma pessoa falando comigo e eu ali, ouvindo Bowie. Acho desrespeitoso. Só escuto a minha playlist maravilhosa de treino quando a academia está deserta.
Peguei uma mesa num coworking por 10 dias por mês para poder sair de casa. Estou cansada de ficar tanto tempo trancada no apartamento. Uma regra é fundamental: levar os fones de ouvidoo. Apesar da existência sinalizada de uma série de cabines telefônicas, tem gente que insiste em fazer call com o cliente ali no meio de todo mundo. Me dá até desespero. Nessas horas, só a playlist de white noise salva.
De volta à sala de espera, a música da senhora na sala de espera estava num volume tal que desisti de ler e resolvi começar esta crônica ali mesmo. Ela começou então escutar os áudios do WhatsApp sem levar o celular ao ouvido. Antes, ao menos, ela não tinha opção se não fazer todos ao redor ouvir canções de Rosh Hashaná. Mas áudio de WhatsApp? É só levar o celular ao ouvido, peloamor. Fomos obrigados a ouvir os problemas domésticos, a briga com as amigas, a fofoca sobre alguém chamada Sara que ninguém ali iria acreditar o que havia feito.
A essas alturas, eu já havia desistido de ficar revoltada e comecei a me divertir. A secretária chamou, era a minha vez. Levantei e dei uma última olhada naquela senhora, com a bolsa e uma sacola de plástico no colo. Cabelos grisalhos, rosto anguloso, vestido azul. Na sala de espera da dermatologista na sexta-feira, às 11h da manhã (estava atrasado). Sabia que ela iria virar assunto para a crônica desta semana. Se alguém a conhecer, favor avisar. Preciso agora saber o que foi que a Sara aprontou.
Sensacional! Temos pavoooor disso também.
Juro que não fiz nada!!!