Frequento pouco a sinagoga. Depois da pandemia, retomei o meu ritmo de uma ou duas idas ao ano – sempre nas grandes festas. Neste ano, no entanto, tive um motivo a mais para ir: a cerimônia de simchat bat da Isadora, que funciona como o batizado da menina judia.
Meu vínculo com a religião judaica é laico. Amo a história do meu povo, nossa tradição e cultura. Comer os varenikes da minha avó e fazer a reza das velas com a Bia toda sexta-feira que eu me lembro. Não me sinto judia por causa da minha fé, que parece perder as pernas a cada fase de conforto e só é resgatada nas viagens de avião, nos sustos e nas consultas médicas. O judaísmo, para mim, é uma pertença diferente, que passa mais pela cultura e história do povo.
Mas no simchat bat da Isadora, algo aconteceu. No momento em que o rabino dava o nome da nossa pequena em hebraico, ele a abençoou de um modo diferente. Não foi uma reza em hebraico, tampouco um script já cansado, mas sim uma proteção nova para mim:
“Que você seja livre para ser quem você é”.
Aquilo arrepiou minha alma de um modo inédito. Um encontro da minha fé particular, aquela que não vive nos livros religiosos, com os meus maiores desejos. Um eco, inclusive, das aulas do mestrado, onde discutimos os romances de formação. Neles, a maior fonte de pressão vem do embate entre a natureza do protagonista e as forças que a sociedade exerce para tentar moldá-lo à sua maneira.
Na hora em que o rabino desejou aquilo para minha filha, fiz um flash back de todas as vezes em que deixei as minhas vontades de lado, meus impulsos e estranhezas, as curiosidades e vergonhas, para priorizar o fazer parte de algo maior. Quantas decisões tomei ao longo da vida de guardar num canto a minha natureza para não sofrer um julgamento? Para trilhar o caminho menos dolorido, o da aprovação coletiva?
Nos últimos dois anos, contudo, joguei fora o mapa e o GPS dos outros. Sinto que ainda estou tateando, mas não importa. Sou eu que dito o norte da minha bússola interna.
Foi lindo ouvir aquelas palavras na sinagoga e poder encontrar por um momento um ponto de conexão entre o meu lado racional, individual, com o espírito do coletivo da religião organizada. Me senti menos sozinha.
Naquele momento, desejei do fundo da minha alma que aquela benção não fosse exclusiva para a Isadora. Olhei para ela e para a Bia, para meu marido, minha família e estendi a todos eles aquela mesma energia. Foi a prece mais pura que fiz em toda a vida.
O olho chega encheu d'água aqui <3 Uma benção linda mesmo.
Linda benção! Pura e precisa