Começou na quinta série. Todas as meninas tinham um pager e eu também precisava de um. Como me comunicar sem ele? Não era FOMO, era estar ausente de toda uma conversa com minhas amigas. Eu pedi uma, duas vezes para meus pais, mas não funcionou. No meu desespero, resolvi escrever uma carta.
Dei até um título: "Independência ou Morte!", como se fosse uma redação escolar. Não era um simples desejo, explicava. Entrei nos detalhes, dei meus argumentos e fui enfática: não era só um pager, era minha Vida Social. Era o Não Ficar de Fora. Prometi que iria cuidar dele, que seria responsável e que não abusaria no uso.
Funcionou. Ganhei meu pager (a gente chamava de Bipe) e não consegui conter minha alegria. Era simples: eu precisava só ligar para uma central de atendimento, informar o código do pager das minhas amigas que eu precisava decorar e ditar vagarosamente a mensagem da vez. "Você é a minha melhor amiga ponto de exclamação Te adoro ponto Beijos da Carol R". Eram os tempos anteriores ao do celular e o Motorola tijolão estava a anos de distância ainda. Sabia que o uso correto do pager era para pacientes poderem entrar em contato com seus médicos no caso de urgência. Mas pouco me importava - agora eu fazia parte do Discurso Social da quinta série.
Eu perdi o pager, contrariando minhas promessas. Na correria antes de uma aula de matemática, ele foi parar dentro da privada do banheiro da escola bem na hora em que apertei a descarga. Foi o caos. Mas a principal lição foi de que a carta me ajudou. A palavra escrita tinha um poder que a falada não alcançava. Se eu escrevesse meus sentimentos e deixasse claros meus argumentos, eu conseguiria o que queria.
A partir daí, o estrago estava feito. Escrevi cartas para reclamar, para pedir para viajar com o namorado, para desabafar a minha dor durante o divórcio dos meus pais. Para começar e para resolver brigas. Na hora de conversar, eu me embananava, perdia a cabeça, ficava com medo ou raiva demais para poder falar. Mas nas cartas, eu era cirúrgica. Tudo fazia sentido.
O email tomou lugar do papel e durante muitos anos, continuei escrevendo para meus pais, amigas, namorados. Mas conforme o tempo passou e a comunicação do mundo se fragmentou, as cartas escassearam.
Só recentemente descobri que elas continuavam vivas - mas agora habitam meus cadernos. Percebi que escrevo, no meio das minhas divagações, cartas inteiras depois de brigas, discussões e momentos-chave. A conversa deixa de ser apenas minha e do diário, e passa a incluir de forma imaginária o destinatário daquelas ideias. É um exercício de clareza sobre os meus próprios sentimentos, para me acalmar e me organizar. Depois, durante as conversas, eu levanto os pontos que povoaram aquelas cartas extraviadas por mim mesma.
Mas não são cartas de uma maneira formal. Estão mais para reclamações com o universo, entram no fluxo de consciência que rege meus diários. Perceber isso me empurrou então para voltar a escrever uma carta completa, que brotou depois de uma discussão que tive com uma pessoa. Inteirinha, no meu caderno. Se não estivesse ensanduichada em uma série de escritos pessoais, poderia enviá-la do jeito que estava. Era só copiar para uma folha em branco.
No entanto, ao reler aquilo, percebi que não precisava mais mandá-la, apenas escrever já tinha ajudado a resolver as minhas questões. Compreendi: nem tudo precisa ser dito. Nem toda carta precisa de envelope.
"Nem toda carta precisa de envelope." Amei essa frase!
Também uso a escrita como uma forma de processar minhas emoções e sentimentos, levá-los até um ponto em que eu consiga entendê-los (ou, se isso for pedir demais, pelo menos desfazer o ninho de mafagafos mental). Folgo em saber que não estou sozinha nesse hábito. :D
Como é bom ler o que você escreve! Textos lindos, sensíveis demais!