Saímos cedo do litoral. O despertador tocou às 5h e o carro já estava carregado. Precisávamos apenas acordar as meninas, trocar a fralda, tirar os pijamas e vesti-las, dar café da manhã para todo mundo, escovar dentes e cabelos, fechar as necessaires e colocar todo mundo no carro. Simples. Garrafa de água? Bolachinhas para a estrada? Todo mundo tomou Dramin? Estamos prontos para voltar para casa.
Depois de quase uma hora e meia de viagem, chegamos à serra. Cheia, mas nada exagerado. Andava e parava, andava e parava. "O bom é que ninguém aqui tem pressa", brinquei com o Luiz. Começamos a ver uma série de carros parados nos acostamentos simbólicos daquela serra tortuosa de Ubatuba, deu até dor no coração. Comentei com ele, reparamos nas caras de desespero, mãos na cabeça, telefones a postos, até que a fumaça começou a sair do nosso carro.
A Bia assustou e a Izzy começou a chorar. Eu e o Luiz entramos no modo Resolução de Problemas. Ele conseguiu parar o carro em um canto e eu liguei para o seguro. Ele abriu o capô para investigar a situação e eu passando todos os dados do carro, da apólice, chama guincho, chama taxi. Ele descobriu o que aconteceu, foi uma borracha que estourou. Tentou consertar, foi até a bica e encheu as garrafinhas de água para ver se o carro ia. Foi! Foi? Andou 50 metros e enguiçou de novo. Paramos para valer.
Ele entrou no carro e me perguntou qual era a estimativa de tempo até a chegada do guincho e do taxi. Quando disse que de uma hora e meia, foi a vez da Bia começar a chorar também. Não adianta, explicamos para ela.
Entre gritos e choros, desci do carro para ver se tinha algo além de bolachinhas no porta-malas. Minha vontade era de dar um urro, algo primal para extravasar todo aquele emaranhado de sentimentos ruins. O medo de ficar parada na estrada, a tensão constante com todos os carros subindo e descendo, a posição vulnerável de quem não tem para onde correr. A preocupação com as meninas, a Izzy trancada na cadeirinha por horas, quanto tempo será que vai demorar. Mas estavam todos me olhando: minhas meninas, meu marido, o trânsito completo. Se eu gritasse, seria como uma autorização para o desespero se instalar.
O trânsito só piorava, ia sair um dia lindo de praia lá embaixo. Voltei para o carro tremendo. O Luiz me abraçou, vendo pela minha cara que eu não estava bem. Vimos incontáveis guinchos passarem por nós, novos ciclos de esperança e frustração que só serviam para nos lembrar que não estávamos sozinhos no perrengue. Me acalmei aos poucos para então começar a Fase Monitoria do Carro Quebrado na Serra. Distribuí bolachas, cantei músicas, liberei o iPad, contei histórias.
Foi quando entendi: negar a realidade só traz desespero. Não é sobre adotar uma postura passiva, derrotista, perante a vida. A realidade impera - o carro estava quebrado na serra numa manhã de sol no meio das férias. O guincho estava a caminho, mas iria demorar. Se eu me recusasse a aceitar e resolvesse passar o tempo irritada, de olho no relógio e as mãos na cabeça e os olhos fechados para não olhar para o óbvio, só entraria em um estado de pânico altamente contagioso. Não adiantaria nada. Mas se eu aceitasse aquilo, compreendesse que havia feito o que dava para fazer e tentasse encarar com bom humor, a calma voltaria. Ela chegou bem antes do socorro.
Eu já havia lido sobre aquela ideia, mas só a senti na pele no dia do carro enguiçado. Aceitar a realidade é o primeiro passo para podermos transformá-la. Isso não quer dizer se resignar, mas sim reconhecer - reconhecer que as coisas não estão do jeito que gostaríamos. Enquanto eu não aceito, só entro em desespero. Mas se reconheço que a situação é aquela, qualquer situação, por horrorosa, injusta ou desumana que seja, tenho condições de pensar em tudo que preciso fazer para transformá-la.
De volta ao carro enguiçado. Eu e a Bia resolvemos escrever um livro juntas, inventando uma história maluca da família que perdeu as malas na viagem de férias. Bem na hora em que tudo parecia que ia dar errado, o guincho chegou. Batemos palmas, demos vivas, e ficamos aguardando o taxi. Quando vimos, o carro já estava a caminho da oficina e nós estávamos todos no taxi indo embora dali. Demorou apenas quatro horas.
Paramos para almoçar depois da serra, tomamos sorvete e corri atrás das galinhas com a Izzy. Encaramos ainda mais três horas de viagem. "Ninguém tem pressa, lembra?" Foi só quando chegamos em casa, entrei no banheiro e tranquei a porta que me permiti desabafar. O urro, no entanto, havia se transformado em apenas um longo suspiro.
Como é difícil aceitarmos uma realidade incômoda, né!
Mas deve dar um orgulho de olhar pra trás e se assistir lidando com tudo isso da melhor forma possível, não só pra você, mas pra sua família! Com certeza suas meninas se lembrarão disso.
Simplesmente amei ♥️