Os livros salvaram a minha vida. Salvaram não - salvam. Diariamente. Estes pequenos heróis do meu cotidiano têm o poder de transformá-lo com apenas uma única frase bem construída. Foi com eles que aprendi a sonhar, a amar e a querer mais desta vida. Eles abrem portas e janelas, constroem pontes e fazem um show de fogos à la Réveillon de Copacabana na minha mente.
Começar um livro é como fazer uma pequena oração antes de partir numa aventura. Não tenho como saber o que pode sair dali. Livro, para mim, é refúgio, alento, lugar de sonho, provocação e remédio. É melhor amigo, professor, companheiro inseparável.
O lugar mais importante da minha adolescência foi a biblioteca da minha avó. Ela me apresentou aos meus autores favoritos e aos poucos transferiu as obras dela para as minhas estantes. Ela povoou o meu mundo interno de histórias, personagens e teorias e se tornou um patrimônio dentro de mim, que cresce dia a dia mesmo anos após a partida dela.
Cuidei do meu coração partido depois do fim do meu primeiro amor com a ajuda de Orgulho e Preconceito, de Jane Austen, e desejava tudo que a Elizabeth Bennet tinha: sua independência e espírito crítico, assim como um Sr. Darcy só para mim.
Quando não aguentava mais passar raiva de tanto machismo no meu dia a dia, li O Poder, de Naomi Alderman, e me deliciei no revenge porn da autora que nos permite vislumbrar um mundo onde as mulheres são o sexo forte e os homens, tadinhos, não podem sair à rua sozinhos à noite, pois podem ser atacados. Quando um livro inverte a ordem presente, ele nos mostra como aquilo que acreditamos ser o ‘estado natural das coisas’ é apenas uma construção social.
Capitu me ensinou em Dom Casmurro, de Machado de Assis, que nossas atitudes serão julgadas, mesmo sem provas ou motivo. Machado me revelou que a dissimulação é a marca criada para a mulher em todos os momentos que alguém decide: ela é a culpada.
A literatura é uma máquina de gerar empatia. Minha educação antirracista foi profundamente impactada por Americanah, de Chimamanda Ngozi Adichie. Uma amiga com mestrado em neurologia me explicou: quando lemos algo que parte de outras perspectivas, nos abrimos à criação de sinapses e desenvolvemos compaixão. Nunca mais vou conseguir ler uma notícia sobre violência policial sem sentir a desolação causada por O Avesso da Pele, de Jefferson Tenório.
A história de June, em O Conto da aia, de Margaret Atwood, me alertou para todos os crimes e barbaridades já cometidos contra mulheres. Você sabia que nada do livro é inventado? Toda a tortura e violência ali já foi feita contra mulheres em algum momento da história. Mas a ficção tem às vezes o poder que uma dezena de livros de história não consegue alcançar. Isso acontece por um motivo simples: mais do que fatos ou números, o que realmente nos move são as histórias.
Quantas vezes não me senti mais próxima de alguém por ter amado o mesmo livro, por ter se apaixonado pelos mesmos personagens? Existe uma sensação maravilhosa de descobrir que algo que me tocou tanto é também tão íntimo para outra pessoa. A literatura forja novas amizades e solidifica as antigas. Vejo isso no nosso clube do livro - afinal, falar de um livro é também falar de si.
Ler é remédio para a alma. A arte tem o poder de nos salvar, ainda que por um instante, das nossas dores e rotina. Ela nos transporta para outros lugares, outros tempos e nos mostra novas possibilidades e jeitos diferentes de ser. Ela nos presenteia com mais compaixão e nos abre para outras perspectivas e jeitos de pensar. Ler nos engrandece.
A escolha de um livro acontece de mil maneiras. Pode ser o próximo da lista, que espera pacientemente ali há tempos, ou então surge uma indicação tão boa que ele fura a fila e vira um amor inesperado – para desespero de todas as outras obras que aguardavam a sua vez. Pode ser uma sinopse que nos fisga, ou então a capa (e se você me disser que nunca julgou um livro pela capa, arrisco responder que você nunca se encantou de verdade com uma livraria).
Já me aconteceu de tentar ler um livro diversas vezes sem conseguir engatar, só para me apaixonar perdidamente por ele algum tempo depois. Livros são assim: têm sua personalidade e a sua hora certa. Eu amo o alerta da vencedora do Nobel de Literatura Doris Lessing: “Nunca, nunca leia nada porque você sente que deveria, ou porque é parte de uma tendência ou de um movimento. Lembre-se que o livro que te entedia quando você tem 20 ou 30 anos vai abrir as portas para você quando você tiver 40 ou 50 anos - e vice-versa. Não leia um livro fora do tempo certo para você”.
Nas sessões de biblioterapia que conduzo, a minha missão é justamente achar o livro certo no tempo certo. Aquele livro que vai ajudar a pessoa a encarar uma dificuldade, a sonhar de formas diferentes, a viver o momento presente com mais compaixão por si mesmo e pelos outros. A minha realização é quando vejo o olho da pessoa brilhar de empolgação e dizer: eu preciso deste livro agora.
O livro, afinal, pode ser espelho também. É aquele, como diz Italo Calvino, "que não pode ser-lhe indiferente e que serve para definir a você próprio em relação e talvez em contraste com ele". Esta é uma das definições que Calvino faz dos clássicos em um dos meus ensaios favoritos sobre literatura, Por que ler os clássicos. Gosto da ideia de que cada um tem a sua biblioteca de clássicos, e os livros que citei aqui fazem parte da minha. E entre as várias possíveis definições de Calvino, a minha preferida é esta:
"Chama-se de clássico um livro que se configura como equivalente do universo, à semelhança dos antigos talismãs".
A verdade, percebi, é que escolho cada livro justamente nesta busca: encontrar um talismã particular.
😃❤
<3 meus melhores amigos há tantos anos.