Minha primeira lembrança da existência do Dia Internacional da Mulher foi no colegial. Passei por todo aquele ciclo começa com a ideia de que é legal ter um dia só para nós mulheres que desembocou na compreensão da importância histórica da data e do longo caminho que temos a percorrer para alcançarmos a equidade.
Em 2012, quando criei o Finanças Femininas, entendi que a data podia ser uma plataforma maravilhosa para atrair a atenção da imprensa e das empresas para a causa da educação financeira feminina. Acho que aí estava o problema: entrei sem nem perceber na lógica comercial da data. Como se fosse mais um item do calendário de datas comemorativas para o Instagram.
As empresas se lembravam, entre fevereiro e março, que precisavam fazer algo para celebrar e o meu email e WhatsApp não paravam (aliás, para que planejamento se a gente pode sempre fechar em cima da hora, não é mesmo?).
Ao longo do tempo, o Dia da Mulher foi se tornando a época mais estratégica do ano. Virou uma semana e depois o mês da mulher, nos quais fechava um volume enorme de palestras e contratos de publicidade. Eu achava ótimo, mas penava para conseguir transpor aquele interesse todo tão pontual na causa da mulher em algo que não durasse um job apenas. Queria impactar a vida das mulheres nos outros meses do ano também.
Nos últimos anos, eu brincava que era o meu Natal: a época mais agitada do meu pequeno negócio. O discurso sobre a Importância de Falar Sobre Dinheiro com as Mulheres estava pronto e eu não precisava me preocupar em pensar muito sobre o assunto. Tudo que queria era fechar mais um contrato.
Hoje acho irônico que o meu burnout tenha começado justamente em 8 de março de 2021. Quase como um castigo enviado diretamente por Simone de Beauvoir por eu ter deixado corromper o meu idealismo em troca de jobs (a dramática).
Não é que eu tenha deixado de me revoltar com a violência, os abusos e a desigualdade, ou de me importar com o feminismo. Mas cada estudo novo publicado sobre o tema só servia para atualizar as minhas palestras.
No ano passado, eu estava tão traumatizada ainda com o burnout que não ousei pensar na data. Ela passou em branco no meu calendário. Mas neste ano, quis fazer diferente. Quis refletir sobre como a melhor das boas intenções pode se desvirtuar no serviço do fechar as contas do fim do mês. E quis retomar a minha paixão pela data e lembrar que ela é muito mais do que os aspectos comerciais que parecem querer sufocá-la aos poucos.
Por isso, trouxe para essa crônica-desabafo meio maluca a história da minha mais nova heroína feminista: Margaret Cavendish. Descobri essa gênia no mestrado, ao ler O mundo resplandecente, a novela utópica feminista publicada por ela 1666. Que mulher, sério.
Aristocrata, foi dama de companhia da Rainha Henrietta Maria e se casou com William Cavendish, duque de Newcastle, em 1645. Ela não teve nenhum tipo de educação formal, mas partilhava com o marido do interesse pelas artes, filosofia, matemática e literatura.
Ao longo da vida, Cavendish publicou mais de 20 livros, entre peças de teatro, poesia, ensaios filosóficos, um romance e uma autobiografia. Ela era menosprezada e ridicularizada em sua época - e ainda assim, uma figura notória. Sua visita à Academia Real em Londres foi amplamente polêmica e divulgada - foi a primeira mulher a fazê-lo. Parecia colecionar ocasiões em que desafiou as convenções literárias e sociais da época. Mostrou para o mundo, não sem dificuldade, que as mulheres podia participar das discussões científicas e intelectuais.
Mas este livro em questão, O mundo resplandecente, é algo sem paralelos. A primeira utopia escrita por uma mulher - e feminista, diga-se de passagem. A protagonista é uma Lady que recusa uma proposta de casamento de um mercador e é sequestrada por ele. Ela acaba indo parar sozinha em um mundo novo, onde o imperador se apaixona por ela, transforma-a em imperatriz e dá a ela poderes absolutos sobre aquele mundo. Fora que ela se apaixona por outra mulher.
Como Cavendish ousou sonhar de forma tão pública com um outro mundo possível? Com o matriarcado e o poder nas mãos das mulheres? De onde ela construiu toda aquela independência de pensamento? Para aqueles que ficaram incomodados com o seu feito, ela deixou um recado no prefácio:
"Embora eu não possa ser Henrique V ou Carlos II, ainda assim eu me esforço para ser Margaret a Primeira; e embora não tenha nem o poder, o tempo, nem a oportunidade de conquistar o mundo como Alexandre e César fizeram, em vez de não ser a senhora de nenhum, já que a Fortuna e o Destino não me dariam nenhum, eu criei um mundo meu: pelo qual ninguém, espero, irá me culpar, já que está ao alcance de todos fazer o mesmo".
Fica como um convite perfeito para nós neste dia 8: temos sim a capacidade de criar nossa própria realidade. Continuemos na luta.
Carol, que bonito sua honestidade sobre esse dia. Tão bonito ler uma história não plástica. Sobre Cavendish, que mulher é essa?! Virei fã, inspiradora.
Amei!!!!