Quando conheci a Mônica, fiquei sem reação. Foi como se tivessem me apresentado a Xuxa, assim, na maior despretensão. "Carol, essa aqui é a Mônica Figueiredo, a antiga editora da Capricho". Como assim, como alguém te apresenta o seu ícone de infância desse jeito, da mesma forma que dizem o fulano trabalha no Itaú?
Eu estava no lançamento de um livro que eu havia colaborado e não sabia o que fazer com as mãos, se devia dar um ou dois beijinhos. Saí falando demais, como sempre faço quando fico nervosa. Contei a ela o problema que ela me causou na infância.
No meu aniversário de dez anos, ganhei uma assinatura anual da Capricho dos meus tios. Acho que nenhum presente transformou tanto a minha vida quanto aquele. Era a época em que a revista ainda era mensal e tinha capas como aquela da Luana Piovani segurando uma camisinha (Tem que usar) e matérias como O que perguntar na sua primeira visita ao ginecologista? Foi uma revelação.
As edições eram enormes e prometiam me ensinar tudo que eu precisava saber sobre o que os meninos achavam das meninas, as roupas e estilo de cabelo que eles preferiam e as perguntas que eu tinha que ter coragem de fazer para conhecer meu corpo bem. Um oráculo que o carteiro entregava em casa todo dia 4.
Eu chegava da escola correndo e não queria fazer lição. Pegava a edição e me fechava no meu quarto, sedenta pra ler tudo. Mas nunca dava tempo, minha mãe sempre me chamava para jantar bem na hora de fazer os testes. Eu engolia a comida no maior mau humor e voltava correndo pro quarto para descobrir qual era o signo que mais combinava com Touro. Na hora de dormir, acho que minha mãe devia precisar tirar a revista do meu quarto.
Comecei a ter dificuldades de me concentrar na escola. Queria voltar logo pra casa, não via a hora de continuar a leitura. Comecei a ter dores de cabeça e a virar figurinha carimbada da enfermaria da escola. "Pode ligar pra minha mãe? Tô com muita dor de cabeça!". Ela vinha me pegar e me deixava em casa, onde a dor magicamente passava e eu ia ler a minha revista em paz. Mas não se engane: as dores eram reais e começaram a ficar cada vez mais frequentes. Depois de um monte de exames e consultas, meus pais me levaram pra fazer terapia. Era pura ansiedade.
Olhando para trás, vejo como a Capricho serviu de ignição para a minha puberdade. As curiosidades, as mudanças de humor, tudo veio junto. A revista era um descortinar para a vida e prometia me revelar todos os seus segredos. Questões que nunca haviam me ocorrido antes começaram a me atormentar. Como saber se você está pronta para o primeiro beijo? Nem namorado eu tinha, mas a pergunta ficava martelando.
Quando terminava de ler cada edição, batia uma insatisfação. Tentei ler outras revistas, mas não era a mesma coisa. Nunca vou esquecer do dia em que li a sessão de cartas da Atrevida com as minhas amigas no acampamento e dei de cara com a pergunta Dá para engravidar de uma caneta? Fiquei revoltada. Não tinha a mesma seriedade, a mesma qualidade de informação. Impossível comparar.
Cresci com esta adoração pela revista. Quando fui cursar jornalismo, já pegava mal falar que meu sonho de criança era trabalhar na Capricho, então fiquei quieta. A verdade também era que eu queria trabalhar na revista mensal dos anos 1990, e não naquela quinzenal dos anos 2000. No dia em que soube que a revista iria fechar, foi o fim de um sonho.
Naquela noite no lançamento, contei tudo quase num fôlego só para a Mônica, que não parava de rir. Ela devia ouvir histórias como aquela o tempo todo, mas tinha um senso de humor ímpar. Pegou meu contato e me chamou para almoçar no dia seguinte. Fiquei nervosa, não sabia o que vestir, nem o que era adequado falar. Na época, ela estava à frente da revista Pais & Filhos e queria me chamar para contribuir para a revista. Quem é que diria não?
A minha oportunidade de trabalhar com ela durou pouco. Logo depois que comecei a escrever uma coluna na revista, a Monica resolveu sair do Brasil e ir morar em Portugal. A pandemia veio na sequência e acabamos perdendo o contato.
Neste último domingo, voltando de carro do interior, decidi que queria contar esta história na edição desta semana da newsletter. Eu tenho pensado muito na Capricho nos últimos dias, depois de começar a receber uma série de avisos da enfermaria da escola das meninas:
Notificação de tratamento
Aluna: Beatriz
Queixa: Dor de cabeça
Conduta: Repouso
Quando chamei a Bia para conversar, ela me contou que estava tendo dificuldade para se concentrar na escola. Perguntei por que e ela disse que só queria ler os mangás que eu havia comprado para ela recentemente. Ela estava levando os livros escondidos na mochila e estava super curiosa para saber como iria terminar a história do Spy X Family.
A mãe que anda lutando desde o início da pandemia para que a filha goste de ler deu mil pulinhos aqui dentro. Mas expliquei para ela que a escola não era lugar para aquilo, que ela precisava participar das aulas, e que quando chegasse em casa ela poderia continuar a leitura.
"Mas você não entende, mãe!", ela disse.
Contei então para ela a minha história inteira com a Capricho. Eu entendo sim, Bia. Mais do que você pode imaginar.
No carro no domingo à tarde, escrevi mentalmente a edição que queria publicar. Eu adoro fazer isso. Mas na segunda-feira cedo, soube que a Mônica havia morrido. O dia ficou cinza. No meu texto original, eu contava como a Bia saiu igualzinha à mãe: mais uma rainha da enfermaria da escola, cheia de dor de cabeça, ansiosa para poder continuar sua leitura favorita. Mas a protagonista do dia não é a minha filha, mas sim aquela editora lendária da revista que moldou a minha vida e meus sonhos por tanto tempo.
Obrigada por tudo, Mônica.
Vivi uma história bem parecida aos 9 anos, com a revista Querida. Minha mãe me deu a assinatura de presente e foi como um portal aberto pra adolescência. Fiquei tão viciada que uns anos depois guardava todo meu dinheiro do lanche pra comprar Capricho, Atrevida e Toda Teen. Aprendi muitas coisas boas e muitas coisas ruins que tento desaprender até hoje, tipo a informação de que pra ter o "corpo ideal" tinha que pesar 20kg a menos que minha altura (1,57 - 37kg 🫠).
Sua história me deixou numa nostalgia só! Enquanto lia seu relato voltei no tempo pra quando eu tinha uns 12 anos,minha mae assinava turma da Mônica pra mim, um dia entrou no quarto dela e me viu lendo a revista “Nova” que ela assinava! Ela tirou da minha mão na hora e me disse eu ainda não tinha idade pra ler aquela revista, e que compraria uma pra minha idade. Quando chegou a primeira edição foi como um ritual de passagem- dos gibis para revistas, eu tinha crescido! E ficava pensando quando será que vou ter idade pra ler a revista da minha mãe? Alguns anos mais tarde, quando eu já tinha uns 17 anos e me mudei de cidade pra entrar na faculdade eu comprei minha primeira nova e ao ler as “páginas lacradas” da revista entendi que tava entrando em uma nova etapa da minha vida... que lembrança boa. Todas essas memórias são uma baita homenagem Mônica.