Decidida a gostar (antes da primeira garfada)
Edição #256: Sobre como a expectativa molda a experiência, com a ajuda de Somebody Feed Phil
Eu adoro uma boa série de gastronomia. Era viciada em Chef's Table e acho Somebody Feed Phil uma delicinha. Se você nunca assistiu, o Phil (já sou íntima) é um americano gente boa com um belo humor judaico que viaja o mundo para provar comidas e conhecer pessoas1. Ele vai do sanduba de rua ao três estrelas Michelin. Guardo os episódios para aqueles dias em que quero ficar com água na boca. Para entender uma culinária, é fundamental olhar o contexto, a história, as pessoas, a cultura. Falar de comida é, inevitavelmente, falar de gente.
Assistimos em família o episódio do Phil sobre Kyoto na semana passada, só para passar uma vontade coletiva de largar tudo e ir viajar para o Japão. Que sonho. No meio do episódio, seguindo um formato já bem definido, Phil vai a um restaurante super chique com um amigo local. Quando vi qual era o destino da vez, fiquei de queixo caído.
Era o pop-up do Noma, o restaurante de Copenhague que foi eleito por cinco vezes o melhor do mundo (atualmente de portas fechadas). O chef dinamarquês René Redzepi havia aberto uma filial temporária em Kyoto e o bendito Phil teve a oportunidade de ir conferir na última semana de operação daquele pequeno céu gastronômico. A ideia de Rezepi era mergulhar na culinária e ingredientes japoneses para criar algo único.
"Ele vai ter ali a melhor refeição da vida inteira," falei deslumbrada para o Luiz. Foi naquele momento que me dei conta que sou o tipo de pessoa que já vive certas experiências decidida a gostar delas mesmo antes da primeira garfada.
Tudo bem que a chance de dar ruim no Noma Kyoto era baixa - não importa. O que percebi foi como a expectativa molda a minha forma de viver e perceber o mundo. Se já vou decidida a gostar, o que acontece com meu espírito crítico?
Comecei a lembrar de livros que amei antes mesmo de abrir a primeira página, filmes, refeições, encontros e tantas outras pequenezas que compõem uma vida inteira. Quando ouço que uma pessoa que respeito muito amou certo livro, já compro com a certeza de amá-lo também. Minha curiosidade fica encolhida na sombra da expectativa gigante de gostar de algo. Amar um livro que surfa nesta onda do prazer antecipado é quase uma confirmação de que tudo é como deveria ser.
Quando bate a desilução, chega a dar raiva. Passei isso com o livro Peitos e ovos, de Mieko Kawakami. A premissa, a sinopse, as resenhas, os comentários de algumas amigas: tudo parecia caber na equação que me diria que aquele seria um dos meus livros do ano. Comecei e… não consegui ler mais do que cinquenta páginas. Achei insuportável (a tradução também não ajudou).
Mas ao invés de simplesmente virar a página e partir para a próxima leitura, fiquei remoendo o livro, brava comigo mesma pela expectativa que criei. A coitada da Kawakami não tinha culpa alguma do hype que foi criado. (Ou talvez tenha, vai saber. O marketing de certos lançamentos literários e cinematográficos anda cada vez mais forte. Barbenheimer que o diga).
Depois do episódio do Phil em Kyoto, fiquei pensando nesta minha decisão de gostar das coisas de antemão. Percebi a frustração quando a realidade não vem alinhadinha com as minhas expectativas e comecei a ficar com medo da minha capacidade de analisar e criticar algo sair prejudicada.
Neste final de semana, fomos provar um bar de dim sum, o Yong, em São Paulo que eu andava curiosa para conhecer. Morei durante seis meses em Singapura e fiquei para sempre fã das trouxinhas chinesas cheias de caldos e carnes deliciosas. Vivo numa busca de tentar encontrar os mesmos sabores que descobri em um fim de semana inesquecível em Hong Kong.
Chegamos ao restaurante e vi que ele era todo tocado em família. Bom sinal. Pedimos um chá de jasmin gelado e uma série de quitutes diferentes. Começamos a comer e… nada. Não era aquilo que eu estava buscando. Mas antes de passar raiva, reconheci minhas próprias expectativas e baixei a guarda. Podia não ser igual ao de Hong Kong, mas rendeu um almoço de família feliz de domingo.
Às vezes dá uma cansada, e ele dá uma de americano para ir comer cheeseburguer no Japão. Vai entender. Não é uma série para maratonar, mas para assistir a um episódio fofo naqueles dias em que nada parece estar muito certo. No mundo de Phil, todo mundo é legal e todas as comidas são maravilhosas.
Entendo a pilha do Phil com cheeseburguer. Um bom cheeseburguer é uma das refeições mais satisfatórias que tem.
Me identifiquei tanto 😅 também ando mais consciente das minhas expectativas positivas e otimismo e como isso impacta minhas experiências. E amo o Phil também!