Na semana passada, fui almoçar com uma amiga e conversamos sobre esta newsletter. Contei para ela do processo de escrita e publicação - as horas de pesquisa, de busca por temas que se encaixem nesta minha proposta aqui, de escrita, revisão, edição. E não há uma fórmula de sucesso: quantas edições não nascem meio de sopetão, sem muito preparo, e rendem uma chuva de comentários e curtidas, enquanto outras exigem um tempo gigante de escrita e desenvolvimento para um resultado tão mixo?
Saber lidar com os incentivos desalinhados na hora de conduzir um projeto de amor como esta news é um problema, um quebra-cabeças com peças que sumiram. Muitas vezes, me dá vontade de escolher um tema "mais vendedor", desenhar uma estratégia de marketing de conteúdo e focar em vender assinaturas, transformar a newsletter efetivamente em um negócio.
A Mel me lembrou da minha própria história: eu já fiz isso antes, e deu muito certo até não funcionar mais. Foi o que aconteceu com o Finanças Femininas. Montei uma empresa, desenhei uma estratégia e pus o pé no acelerador para viver de produzir conteúdo online. Dez anos depois, estava esgotada de tanto produzir com o algoritmo em mente. O resultado foi um burnout.
Esta news aqui nasceu com outro objetivo: ser um lugar onde eu poderia escrever sobre os temas que mais amo. Virar um espaço de desabafo, de exercício da escrita, de uma comunidade nova. Ter uma disciplina na criação, um combinado de entregar uma edição por semana, com ou sem inspiração ou desejo de escrever. Poder pensar em mim mesma como uma escritora. Ousar vender assinaturas para quem gosta da minha escrita e confia na minha capacidade de entregar textos especiais.
Tem horas que é assim mesmo. Preciso questionar toda a base desta news para poder me lembrar do propósito disto daqui. Eu escrevo aqui porque amo.
-
No final de semana, assisti novamente ao primeiro episódio da série Chef’s Table, aquele sobre o chef italiano Massimo Bottura. É uma verdadeira aula de ousadia e criatividade. Bottura resolveu reinventar a cozinha italiana e foi muito mal recebido. Seu restaurante, hoje considerado o melhor italiano do mundo, passou cinco anos como motivo de piada e alvo de críticas ruins. E eu pensando comigo: cinco anos perdendo dinheiro, levando pancada e ainda na luta.
Porque ao longo deste tempo, Bottura desafiou todas as regras da culinária clássica da nonna. Se o certo era ir a um restaurante, pedir um tortellini e receber um prato com dezenas de macarrõezinhos recheados, ele resolveu criar uma versão com apenas seis. Seis tortellinis enfileirados. No lugar de uma lasanha completa, um prato pequeno com a melhor parte: só o queimado da borda da lasanha. Uma lasanha sem carne.
Quanto mais críticas ele recebia, mais Bottura criava coragem para ousar. Aquilo só servia de combustível.
-
Outra parte que me chamou atenção foi a forma com que Bottura incorporou a arte em seus pratos. Foi graças à sua esposa, Lara Gilmore, que começou a levá-lo a galerias e exposições. Quando você vê os pratos dele, consegue enxergar ali todo lado artístico. São pequenos quadros comestíveis.
O chef italiano soube trazer inspiração para a culinária de vários outros lugares. Ela não veio de outros chefs ou da concorrência. Veio da arte, da escultura, de instalações - como a dos pombos realísticos do artista Maurizio Cattelan, que o casal viu na Bienal de Veneza. Eles entraram em uma sala da exposição e lá estavam os pombos, instalados perto do teto. Os pombos inclusive faziam cocô em cima das outras obras expostas. Na hora que Bottura viu aquilo, ele entendeu: ele também era um pombo. Ele também estava fora do circuito, destruindo a cozinha italiana tradicional.
Hoje, ao entrar na Osteria Francescana, os clientes dão de cara com os pombos de Maurizio Cattelan. Eles são um lembrete.
-
A inspiração vem sempre de outros lugares. Para escrever aqui, recorro aos livros, à arte, à gastronomia, à filosofia e ao cinema. Lembro daquilo que a Julia Cameron fala no livro O caminho do artista: para criar, precisamos encher de água nosso poço interno, o lugar de onde vem toda a criatividade. Só dá para fazer isso nos expondo às mais variadas formas de arte. Nunca sabemos de onde pode vir a próxima ideia.
-
Eu reclamei durante meu almoço com a Mel que tenho tantas ideias e sou tomada por todas elas o tempo todo. Minha vida vai mudando e quero incorporar tudo isto aqui na newsletter. Quero falar agora aqui sobre judaísmo, saúde mental, literatura, família… Quero abrir uma ONG. Quero mergulhar no meu trabalho voluntário. Começar a gravar logo meu podcast. Como focar com tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo por aqui?
A Mel me responde: "você é um poço de ideias - mas sabe executar cada uma delas". De novo a imagem do poço. E ela me incentiva: "Confia que você vai saber integrar tudo isso." Ela acredita que dá pra fazer tudo isso caber aqui nesta newsletter.
(Lembrete: tenha sempre amigas que te incentivam).
-
Às vezes dá um cansaço imenso com a newsletter. São quase três anos basicamente ininterruptos. Fiz apenas uma pausa de poucas semanas depois dos ataques do 7 de outubro em Israel. Naquela época, não soube lidar com o escrever ou não escrever sobre aquele tema. Então travei. Mas nestes três anos, vale lembrar, tive uma filha, estresses em casa, brigas e alegrias, festas e velórios. E tenho persistido através de cada um destes momentos.
A chave é o amor. Escrevo aqui porque amo esta newsletter. Quando me lembro, dá vontade de escrever mais uma edição. E quando olho para trás, morro de orgulho de ver o que venho construindo aqui semanalmente.
-
A
falou na newsletter dela: precisamos criar um sindicato de nós mesmos e exigir direitos trabalhistas:"Descansar é peça fundamental do processo criativo. Muito bonito na teoria, mas na prática, entender 'quanto e quando' é um jogo de tentativa e erro. Por isso, trago um lembrete: é preciso experimentar jeitos diferentes de descansar. Sempre. Assim como é igualmente importante expor-se a novas técnicas, materiais e mentores quando estamos buscando ser pessoas criativas."
Ao ler aquilo, percebi que estava precisando mesmo parar um pouco. Vou tirar dez dias de férias e resolvi me permitir descansar neste período.
-
Estou cheia de sonhos e projetos aqui. Tem o projeto de um livro, outro que está parado na gaveta, um podcast cuja primeira temporada já está quase toda roteirizada. Fora o mestrado, a ideia da tese que está nascendo, o trabalho. Esta newsletter.
Mas a terra precisa de adubo para florescer, o meu poço precisa de água. Terei agora dez dias cheios de arte, boas comidas e bebidas, bons papos, muita estrada e descanso para recarregar toda a energia criativa. Volto no dia 22, cheia de histórias para contar.
-
(E sabe o quê? Vou lá para Modena conferir os pombos e toda a ousadia e criatividade do Bottura in loco).
É sempre uma delícia ler seus textos, Carol!
Aproveite seus dias de descanso, amplie ainda mais o seu repertório e volte para compartilhar as novas ideias!
Te entendo tanto. Fiz essa pausa em março e foi incrível. Boa folga criativa por aí!