Um escritório todo meu
Edição # 244: A cultura emocional do trabalho e o prazer de sair de casa
Agora tenho um escritório. Quatro anos depois do início da pandemia e três do burnout que me levou a fechar o Finanças Femininas, tenho finalmente um lugar para trabalhar. Minha sala não é grande - pelo contrário. Ela mal mede 3 metros quadrados. Mas só eu tenho a chave.
Ela veio como parte do projeto que aceitei no final do ano passado para fazer uma consultoria de comunicação. É um trabalho de meio período, que me deixa com tempo livre para continuar meu mestrado, a escrita, um projeto voluntário, o podcast que vou lançar (em breve detalhes!). Só que tudo isso agora acontece dentro da minha sala.
Sempre gostei de ter um escritório. Quando montei o Finanças Femininas, ele era um motivo de orgulho, uma prova de que o negócio era mais do que um blog que eu fazia do sofá. Era algo sério - bem antes de virar uma empresa com equipe, clientes, parceiros. Começamos em uma salinha pequena em um prédio comercial que ficava na esquina e aos poucos crescemos. A melhor época foi o ano de 2019, em que dividi uma casa inteira com as empresas de duas amigas na Vila Madalena. Dava gosto encarar o trânsito todo dia.
No finalzinho daquele ano, nos mudamos para um prédio maior, na Vila Olímpia, uma sala com 100 metros quadrados, como parte de uma sociedade com um negócio maior. Eu tinha um estúdio, sala de reunião. Durou apenas três meses - a parceria foi encerrada dias antes de a pandemia começar.
Quando vi, estava trancada em casa com uma série de caixas e equipamentos de gravação. Cada live que fazia ou vídeo que gravava era um suplício: eu deixava post its na porta da sala com um aviso. Não entrem. Mas a Bia sempre entrava, o cachorro latia, o interfone tocava avisando que o iFood estava esperando.
Aprendi, assim como todo mundo, a me concentrar em meio ao caos doméstico. A dividir o Zoom com a aula online. A escrever uma coluna enquanto a Bia jogava videogame na sala. Ou foi o que pensei. Na hora em que o burnout invadiu a minha vida, ficou claro o quanto aquele esquema era precário.
De lá para cá, tive mais uma filha, fechei o negócio, entrei no mestrado e fiz uma série de projetos profissionais. O home office era o lógico. Mas agora, com meu novo trabalho, não dava para continuar daquele jeito. Eu precisava ter um espaço junto com o restante da equipe. E precisava, sobretudo, sair de casa.
Quando ganhei minha sala, quis caprichar. Comprei um segundo monitor para facilitar a vida, uma caneca bonita, um porta-canetas, um pufe lindo. Trouxe um porta retratos com uma foto das meninas e um vaso. Ganhei flores do Luiz. Montei uma estante que virou refúgio de todos os livros que mal cabiam mais em casa.
Esta sala pequena virou o teto todo meu. Aqui no escritório não tem choro de criança nem latido de cachorro. É o espaço onde trabalho, escrevo, estudo, penso. Minha produtividade disparou feito cachorro ensandecido.
Li um artigo recentemente sobre a cultura emocional do trabalho da socióloga americana Arlie Russell Hochschild. Ela explica que a cultura emocional é o conjunto de rituais, crenças e regras que regem os sentimentos que produzem um engajamento emocional e até mesmo um senso de "sagrado". E defende: para a mãe, a família não é sempre um refúgio, mas sim mais um local de trabalho.
"The tired parent leaves a world of unresolved quarrels, unwashed laundry and dirty dishes for the atmosphere of engineered cheer, appreciation and harmony at work. It is at work that one drops the job of working on relating to a brooding adolescent, an obstreperous toddler, rivaling siblings or a retreating spouse."
Nestes quatro anos trabalhando de casa, descobri o quanto é fundamental sair para poder voltar. Acordo feliz, animada para começar o dia. Estou aos poucos cortando os hábitos ruins que ganhamos na pandemia, como o do não saber a hora de desligar. Quando fecho o computador, guardo minhas coisas e tranco a sala, quando pego o carro e volto para casa, estou feliz. Ficou mais fácil largar o celular e ficar com as meninas. Como tenho agora um espaço e tempo de trabalho concentrado, tenho também condições de desligar o celular quando chego e viver o cuidado e a brincadeira com elas. O que não consegui terminar fica para o dia seguinte.
Descobri o óbvio: para voltar, eu precisava antes sair.
Oi, Carol! Me identifiquei tanto com essa edição. E ela me lembrou um poema do Max Martins (escritor paraense aqui de Belém), que se chama A Cabana
"É preciso dizer-lhe que tua casa é segura
Que há força interior nas vigas do telhado
E que atravessarás o pântano penetrante e etéreo
E que tens uma esteira
E que tua casa não é lugar de ficar
mas de ter de onde se ir"
Como alguém que ainda está no home office, com criança e campainha tocando, entendo plenamente a importância desse espacinho seu. Acho que uma das partes mais difíceis da maternidade é aceitar que temos direito de existir e desejar para além do convívio familiar. Parabéns pela conquista!