Culpa por perder a paciência.
Culpa por querer dar mamadeira na madrugada para conseguir dormir um pouco mais.
Culpa por não ser duas para me dividir melhor entre minhas duas filhas. (Ah, se é pra sonhar, por que não querer ser três, ou quatro logo de uma vez?).
Culpa por querer comer brigadeiro enquanto amamento (e se der cólica na nenê?).
Culpa por não estar trabalhando – e culpa quando trabalhava demais.
Tem gente que diz que quando nasce uma mãe, nasce uma culpa, mas me desculpa (e perdão pelo trocadilho): as minhas já estavam aqui muito tempo antes de as meninas chegarem.
Culpa por não ter o corpo que queria.
Culpa por não ter seguido a carreira que meus pais sonhavam.
Culpa por ser tão bagunceira.
Culpa até por deixar o texto para a última hora.
Você tá vendo, né? É uma verdadeira coleção de culpas, todas juntas, amontoadas e embaralhadas. Quando penso em uma, o fio da consciência pesada puxa várias outras.
Ainda assim, quando olho para elas, é inevitável ver uma carga do feminino. As cobranças que acumulamos ao longo da vida, enquanto aprendemos a ser mulher, criam raízes e se tornam fontes inesgotáveis de culpa. Ficamos tão acostumadas com elas que fica difícil de discernir se vêm de fora ou de dentro.
É a sociedade que me diz que meu corpo não está certo, ou sou eu que não sei ficar satisfeita com meu peso? Eu queria mesmo não ser tão bagunceira, ou apenas introjetei a noção da boa dona de casa (alô, A Mística Feminina) e me culpo por estar longe do ideal?
Ah, essa palavrinha maldita: “ideal”. Na hora em que começo a pensar sobre as minhas culpas, ela sempre surge. Pode vir disfarçada de “perfeita” ou até mesmo de “impecável”. E é aí que vejo a raiz do problema.
A culpa surge quando a nossa realidade não condiz com o ideal. Temos todes nós uma imagem mental de quem deveríamos ser. No meu caso, ela é a mãe eternamente calma, presente e paciente, cheia de energia e dona das melhores brincadeiras. A esposa amorosa, sexy e sempre disposta que deixa a casa impecável, o jantar saboroso e cheiro à mesa, flores nos vasos. A profissional genial, à frente de uma empresa grande, lucrativa e impressionante para os olhos dos outros – e alguns prêmios na estante “só pra fazer pressão”. A amiga que sempre tem tempo e que consegue acompanhar e cuidar de quem ama. A chapadinha da endorfina que ama treinar, corre 10k antes das 6h e vive feliz com uma dieta saudável e equilibrada que segura aquela barriga lisinha. E assim por diante.
Sou insuficiente, portanto, em todos os meus papeis. Como me comparar a todos estes ideais de perfeição?
Só que este que é o pulo do gato: como qualquer outro ideal, ele não existe. É apenas uma ideia. A realidade é mais caótica do que isso, convenhamos. Parece até óbvio quando penso assim – não vou conseguir alcançar mesmo estes padrões porque eles não são compatíveis com o mundo de verdade.
Não cobro eles das minhas amigas – para mim, não existe aquela história de “eu estou tão em falta com você!”. Mas reconheço que trato elas com uma compaixão que não sei estender a mim mesma (apesar de já ter visto tantos posts no Instagram que me dizem que era isso que eu devia fazer).
Como é difícil lembrar que a perfeição não existe na hora que o vestido marca mais do que deveria, a Bia está há um século no iPad, a geladeira está vazia e eu só quero mais alguns minutos no banheiro para terminar de ouvir um episódio do Calcinha Larga?
No livro Aceitação Radical, a psicóloga e professora de meditação Tara Brach traz uma pista de como lidar com tanta culpa. Aceitá-la. Enquanto eu luto contra a realidade pois “tá tudo errado” e “não era assim que tinha que ser”, eu não tenho como encontrar um instante de paz. No entanto, quando aceito que a perfeição não existe e aceno a bandeira branca à realidade, a vida fica mais leve.
Há alguns anos, tenho um mantra para quando bate a culpa: “tá tudo bem”. No livro, Brach fala em dizermos “sim” para nós mesmes quando surgem pensamentos de medo, culpa, tristeza ou frustração. A ideia de aceitar a realidade como ela é exige de nós apenas compaixão e traz uma profunda sensação de liberdade.
E não, isso não é uma desculpa para complacência. Aprendi com a Byron Katie que aceitar uma realidade difícil pode ser o primeiro passo para entender como transformá-la.
Quer um exemplo? Percebi recentemente que brigar com a Bia porque ela deixa a lição de casa para fazer no domingo à noite não adianta – estou descobrindo que o que funciona é reconhecer o padrão dela e buscar mostrar que existem outras formas (e horários) para fazer a lição, contar que a disciplina compensa, etc etc. As brigas diminuem e – olha a mágica – a culpa também.
Ainda não achei uma fórmula mágica para me livrar de todas as culpas e viver uma vida livre e leve. Talvez isso não exista – ou talvez o combo meditação-terapia-autoconhecimento me ajude um dia a chegar lá. Enquanto isso, o que tenho tentado fazer é simplesmente dizer “sim” a cada vez que identifico uma culpa que me pesa, na tentativa de diluí-la e dissolvê-la. Quem sabe ela não vai embora?
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Adorei a reflexão, Carol. Como é difícil lembrar do "tudo bem" e como o discurso do amor próprio pode, em alguns formatos, gerar ainda mais culpa, né? Vira uma bola de neve e a gente começa a criar mil tretas até com o que devia ser alento... Como ter culpa porque não meditou, não comeu fruta, não se olhou no espelho se amando etc etc Que cada vez mais a gente tire mais peso das costas.
Dizem as boas línguas que brigadeiro durante a amamentação pode aumentar sua produção de leite. Afinal, satisfação produz ocitocina tão necessária na produção de leite.
Sigo me identificando com suas palavras.
Me ajudou a lembrar de dizer "tudo bem", não posso salvar o mundo todo.