Atenção: contém spoilers!
Quando a Bia era pequena, minha mãe me disse que a maternidade era montar um plano de fuga, só para incluir os filhos na última hora. São duas forças de direções contrárias, uma que deseja te levar para longe e a outra que sonha em ficar grudadinho. Elas vêm carregadas de tanto amor e culpa que é difícil, muitas vezes, entender o que você quer no meio de tudo isso.
A beleza e a força da literatura é que ela pode colocar personagens em situações extremas para mostrar o que pode acontecer então. É como um sonho, um ensaio, um teste em ambiente controlado que não machuca ninguém (além do emocional do leitor, dependendo do caso).
Digo isso pois li nestes dias dois livros que, por coincidência, tratam do mesmo assunto: A Filha Perdida, de Elena Ferrante (ainda não assisti ao filme dirigido pela Maggie Gyllenhaal), e Fleishman is in trouble, de Taffy Brodesser-Akner. Nos dois, temos a história de mães que ficam divididas entre o ideal da perfeição e os seus próprios desejos e impulsos, e acabam por abandonar seus filhos.
Foi difícil olhar para o lado mais cru da maternidade enquanto amamento, em meio a uma onda de ocitocina que não quer baixar. A reação inicial é de horror: que tipo de mãe faz isso? Mas os dois livros nos forçam a olhar para a escuridão – e compreender as personagens é inevitável. Literatura é uma máquina de empatia.
Sou mãe há oito anos e, apesar de estar numa fase enlouquecidamente apaixonada pela maternidade, não quero jogar purpurina nessa loucura que é ter filhos. Toda mãe quer suas fugas. As minhas são no banheiro. Eu e o Instagram e o Wordle e meu Kindle. É uma forma de afirmar: eu ainda existo. Eu ainda sou eu.
Na licença-maternidade que criei para mim, quero poder ter tempo para ler, escrever e ficar de papo para o ar. Ir tomar um sorvete (ao ar livre, por favor) só com uma amiga. Quero jantar com meu marido para falarmos dos nossos assuntos, e não ter que discutir pela 87ª vez na semana qual é o meu vilão favorito do Super Mario ou ser interrompida pelo horário da mamada.
Afinal, sou humana. E quem foi que disse que a maternidade tinha que ser doação absoluta1? Como conciliar a carreira com este ideal? Como estar presente em todas as papinhas, banhos e reuniões? A conta não fecha e deixa um rastro de angústia em todos os lares que conheço.
É chocante deixar de ser a prioridade na sua vida, é impossível manter a paciência em todos os momentos em que as crianças decidem agir como crianças. A carreira, então, nem se fala. Eu achava que não teria como ter um segundo filho se quisesse continuar a me dedicar ao meu negócio naquele ritmo, digamos, intenso. Quando engravidei, tive o privilégio de poder decidir desacelerar o meu negócio e viver este momento – um privilégio que tem custos que vão muito além do impacto financeiro imediato.
A Milly Lacombe escreveu um texto maravilhoso no qual diz que nasceu para ser pai. Nele, ela escancara esse acordo social mal-arranjado no qual a mãe fica com toda a responsabilidade e a carga. “É o desgaste, a solidão e a exaustão da maternidade que nunca me interessaram”, diz ela.
Eu tampouco tenho interesse nisso – mas ainda assim, não troco o meu papel de mãe por nada. O outro lado da doação é a magia: assistir e participar do desenvolvimento dos seres que você mais ama no universo diariamente é o maior presente que ganhei nesta vida.
A chave, para mim, é o compartilhamento: quando você tem um parceiro (ou parceira) para dividir as tarefas, uma rede de apoio, uma estrutura familiar, uma pessoa que te ajuda, tudo fica infinitamente mais fácil. Sei, pois vivo isso no meu dia a dia. O meu sonho não é ser pai – mas sim ver chegar o dia em que este arranjo mais equilibrado deixasse de ser um privilégio e se tornasse a norma.
Neste artigo, a psicanalista Vera Iaconelli fala sobre como nossa sociedade chegou a esta visão de que a mãe perfeita não tem respiro ou interesses próprios. Vale ler!
Ser mãe é realmente um processo muito complexo. Ás vezes me pego pensando em quanto me esforcei para conquistar algo e de repente, por uma única pessoa, eu deixaria tudo, mas se deixasse eu seria feliz, seria eu?