“Essas aqui são as suas raízes”, disse a minha mãe, enquanto andávamos pelo Bom Retiro. Era uma quinta-feira de sol e estávamos junto com minha avó. Toda quinta-feira, elas trabalham como voluntárias numa instituição que alimenta pessoas carentes. Aquele dia tive o privilégio de poder ajudá-las. Havíamos acabado de terminar o turno do almoço e voltávamos a pé para o escritório dela.
Minha mãe cresceu e trabalha no Bom Retiro. Aquele é o lugar dela. Eu, por outro lado, não consigo chegar até a José Paulino sem antes abrir o Google Maps.
Eu não ando com a naturalidade dela por lá. Não sei como chegar no Buraco da Sara e nem o caminho para o Viena kasher. Conheço todas as histórias do Pletzale, como foi o ponto de encontro de tantos imigrantes judeus e sobreviventes do Holocausto e agora é de seus filhos e netos. Mas se passo na frente, não sei se tem alguma mesa onde não possa sentar, que já tem donos cativos. Não tenho as minhas histórias, os meus lugares no bairro. Repito as receitas da minha mãe, sigo os passos dela. Eu não pertenço.
Começo a pensar na distância que criamos das nossas raízes. Tenho com o Bom Retiro apenas uma conexão emocional. Adoro conhecer a São Paulo da minha mãe e da minha avó. Ouvir as histórias delas sobre a carroça do meu bisavô, o cavalo, a escola, os bailes. Sobre como a comunidade ashkenazi de São Paulo frequentava a antiga sinagoga da Newton Prado, como a rua toda ficava lotada durante a celebração do Yom Kippur.
Mas o contraste com a minha vida é imediato e serve como lembrete: aquela não é a minha história. Se minha vida fosse um livro, aquelas cenas fariam parte apenas do prólogo. Volto para casa com a sensação estranha de não pertencer ao lugar onde estão as minhas raízes.
Minha São Paulo é outra. É a das padarias dos Jardins e do Parque do Ibirapuera. Pegar o carro todo domingo cedo para ir passar o dia no sítio que meu avô montou com os amigos em Itapecerica da Serra. É a das manhãs na piscina no clube e almoços no Iguatemi. Dos cinemas na Paulista, do Frevinho e dos bares da Vila Madalena. Aprender a andar de bicicleta na Cidade Universitária e estudar para as provas de Jornalismo no Pátio da Cruz, lá na PUC.
Há alguns meses, passei na estrada de Itapecerica e tentei achar o lugar do sítio. Impossível. O local estava completamente transformado depois de quase três décadas – deve ter virado mais um conjunto de prédios. No entanto, uma parte de mim ainda está lá catando limões com a minha prima para preparar a limonada do almoço. Esperando o meu pai terminar o jogo de tênis para ir brincar com ele na piscina e comer a linguiça de aperitivo que o amigo do meu avô sempre levava.
As minhas raízes estão espalhadas por esta cidade. Carrego em algum lugar as raízes dos meus pais e avós, mas elas servem mais como um lembrete: a sua história também passou por aqui. Mas a minha relação histórica e afetiva com São Paulo é outra. Está em cada pracinha onde fui namorar escondido, nas calçadas de todas as escolas onde estudei, nas esquinas d os prédios onde morei. O Bom Retiro faz parte desse rizoma – e entendo que posso ter com ele uma relação diferente. Não pertenço, mas ele mora de alguma forma dentro de mim.
Sensacional 💚
Ca, eu estou neste momento (até por recomendações terapêuticas!) passeando pela minha história. Pela fase na qual eu era a minha mais verdadeira e pura versão da Ale. E decidi ir todo mês para o Rio, até poder voltar de vez, porque é lá que estão as minhas raízes. Por mais galhos e frutos que eu tenha feito nestes quase 20 anos de SP - e por mais que eu tenha conseguido me alimentar satisfatoriamente pelos pingos que caíam nas minhas folhas -, acho que chega uma hora que a gente só se alimenta mesmo pela raiz!