Aconteceu comigo recentemente. Levei três livros para as férias, num ataque de ambição um tanto descolado da realidade. Comecei com Bunny, de Mona Awad (falei dele aqui). Este livro chamou a minha atenção depois de uma resenha da Isadora Sinay e furou a minha fila de próximas leituras com classe e velocidade. Tinha todos os elementos que eu amava: um cortejo à A história secreta (um dos meus livros favoritos), o ambiente das universidades americanas, um programa de escrita criativa, uma turma complexa de amizades femininas. Não deu outra – devorei Bunny em três dias.
Na sequência, peguei o livro que realmente estava aguardando: The Netanyahus, de Joshua Cohen. Foi vencedor do Pulitzer de Ficção deste ano e eu estava contando os dias para poder ler a obra. Ela mistura realidade com ficção, fala sobre judaísmo e preconceito, também em um ambiente universitário (notou o padrão?). Todos os elementos certos estavam ali, mas depois de dois dias, percebi que não conseguia avançar.
Eu pegava o livro e lembrava que não tinha feito o Termo do dia – o que me levava diretamente ao Dueto, Quarteto e Wordle. Pegava de novo, mas resolvia dar uma olhada na babá eletrônica para ver se estava tudo bem com a minha bebê do outro lado do Atlântico. Tentava ler mais um pouco, mas o feed do Instagram me chamava, qualquer email parecia mais interessante, jogava tempo fora na home do UOL. Retomava a leitura decidida, mas o Luiz resolvia me contar uma história e eu esquecia o livro definitivamente ao meu lado.
Quando vi, estava me forçando a ler algo que claramente não estava funcionando. As férias escoavam cada vez mais rapido e eu tinha uma decisão a tomar: insistir na leitura meio a contragosto ou abandoná-la e optar pelo próximo da lista. Foi uma decisão fácil: guardei o Netanyahus na mala e peguei o seguinte.
Não pensei mais no assunto até uma conversa com uma amiga. A Sarah é dessas pessoas que a internet me trouxe de presente e que eu guardo com carinho. Temos um gosto literário semelhante e é delicioso amar alguns livros juntas. Ela foi uma fonte de apoio quando eu estava lendo Uma vida pequena e me indicou uma série de obras maravilhosas.
Numa troca de DMs neste fim de semana, ela me contou que estava lendo algo e odiando. Entramos logo na discussão sobre largar ou não um livro no meio. Contei a ela como foi fácil abandonar o Netanyahus, mas a Sarah não é o tipo de pessoa que consegue esse desprendimento. Ela insiste.
Em nenhum momento me arrependi da decisão - e meu prêmio foi poder devorar A boa sorte, de Rosa Montero, na volta para casa. Acredito que a vida é muito curta e a minha lista de próximas leituras é muito longa para gastar tempo com um livro que não é para mim. Pode até ser seja que em algum outro momento, mas me recuso a forçar uma leitura que não está rolando em meio às férias. Nessas horas, eu me lembro dos Direitos do Leitor, do escritor francês Daniel Pennac:
O direito de não ler.
O direito de pular páginas.
O direito de não terminar um livro.
O direito de reler.
O direito de ler qualquer coisa.
O direito ao bovarismo (doença textualmente transmissível)
O direito de ler em qualquer lugar.
O direito de ler uma frase aqui e outra ali.
O direito de ler em voz alta.
O direito de calar.
Eu estava bem resolvida e tão satisfeita comigo que decidi escrever esta crônica para defender o direito de abandonar um livro. A conclusão estava perfeita: se não estiver gostando, largue sem dó.
No entanto, tive que jogá-la fora quando a Sarah me escreveu no domingo para contar que tinha persistido no tal livro e estava amando. Não conseguia mais largar.
Resultado?
Já coloquei Cleópatra e Frankenstein na minha lista. Já os Netanyahus, veja bem: talvez eu tente de novo mais pra frente.
a vida é mluita curta pra fazer algo que não se gosta, já temos tantas osbrigações, livro tem que trazer alegria
Quando o eu de agora não está dando conta de ler um livro, eu geralmente tento entender o motivo. Às vezes é porque meu interesse pelo tema diminuiu. Às vezes é porque a leitura exige mais de mim e estou sem energia. Às vezes é porque o texto não está entregando o que eu esperava. Em qualquer desses casos, deixo o livro de lado e vou fazer outras coisas, ou mesmo ler outras coisas. Talvez meu eu do futuro, em condições diferentes de temperatura e pressão, venha a ler o que larguei. Talvez não. Acolho isso porque, se não quero ler, também não quero carregar o fantasma do livro não lido nas minhas costas. Minha sacola de arrependimentos já tá quase rasgando e livro não tem sentimento ferido haha 😅