De um lado, uma lista de próximos livros que cresce num ritmo muito mais acelerado do que a minha velocidade de leitura; é a vontade de ler tudo o que fizer brilhar o meu coração. Do outro, o desejo de mergulhar em cada obra com calma e qualidade para poder carregar o que leio dentro de mim. Um embate de gigantes, com direito a plateia, torcida organizada e até vendedor de pipoca. Quem vai ganhar?
Já contei aqui (ler) menos é mais - e consegui desacelerar o meu ritmo. Mas descobri na semana passada uma ferramenta para o meu mestrado tão bonita para absorver melhor a leitura que fiquei com aquele comichão de contar o que aprendi.
É o Commonplace Journal – uma espécie de diário de aprendizados. A proposta não poderia ser mais simples: um caderno onde você anota as frases, ideias e observações sobre o que está lendo. É um espaço de reflexão e interação com as leituras, uma coleção de materiais que facilitam o aprendizado. Você não precisa se restringir às frases de um livro; pode incluir letras de música, obras de arte, falas de um filme... Tudo aquilo que falar com o seu coração - e conversar com o assunto.
A ideia, conforme explicou minha professora, é que o primeiro passo na composição de um discurso é a invenção; é saber o que vai se dizer. Para isso, o melhor método é considerar os lugares comuns (common places) existentes sobre o assunto – aquelas formas de conhecimento e argumentação amplamente aceitas pela nossa cultura. O Commonplace Journal é o lugar para registrar estes lugares comuns, estas falas e frases que revelam um pouco do que é o pensar e agir socialmente aceitos.
Esta era uma ferramenta popular nos séculos 18 e 19. A minha professora elegeu ela como parte das atividades que precisamos entregar dentro da minha disciplina sobre romances de formação. Comecei a escrever o meu Commonplace Journal com a leitura de Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister, de Goethe. Anotei nela passagens como esta:
“O artista não deve nunca exigir um aplauso incondicional por aquilo que realiza, pois é justamente o incondicional o menos valioso, e o condicional não é decerto do gosto dos senhores”.
Aos poucos, o meu primeiro registro foi se enchendo de pequenas e grandes pérolas do grande mestre alemão. Ao terminar o livro, percebi que ali estavam anotadas as minhas passagens preferidas que traduziam em parte a sabedoria dele. Junto com elas, escrevi um pouco sobre minhas críticas, dúvidas e considerações.
Comecei a entender o Commonplace Jornal como uma ferramenta que, de acordo com a minha professora, serve tanto para lembrar quanto para esquecer. O exercício de anotar o que toca o coração refletir sobre aquilo me permite processar a leitura de uma forma mais profunda e, ao mesmo tempo, leve. Não preciso organizar meus pensamentos – basta registrá-los.
Confio na ideia de que esta escrita exploratória só tende a ajudar a minha leitura e até o que escrevo. Ela me permite juntar o que encontro de mais precioso pelo caminho e carregar comigo. Ao fazer minhas anotações, sinto que de alguma forma inscrevo aquelas frases em algum lugar dentro de mim. Não preciso mais me preocupar onde estarão guardadas ou com a própria organização de todos os registros. O que importa é que com este processo, elas se tornam minhas.
Que pipita essa edição, e acho que não tinha lido - cheguei graças a news da Lalai ♥️ Quero muito voltar a ter um caderno assim, que deixei de manter depois de passar pelo doutorado e perder a vontade de fichar tudo (era todo um compromisso, aí quis dar um tempo e ler livre). Mas visto dessa forma que você apresentou eu super me reanimei. :)
Ca, amei! Eu já faço algo assim há tempos, intuitivamente, em um moleskine que chamo de "caderno da vida". Mas lendo aqui viu até apurar meu objetivo com ele!