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Até pouco tempo atrás, quando pensava nos clássicos da literatura, minha mente voava direto para o cânone: Tolstoi, Dostoiévski, Jane Austen, Virginia Woolf. Aqueles livros que todo mundo consegue reconhecer que pertecem ao panteão da literatura. A ideia generalizada é que são livros que todo mundo deveria ler e que ganharam este status graças a uma combinação das visões dos críticos e acadêmicos, aliada a uma teórica unanimidade de leitores ao longo dos séculos. Clássico soa como livro antigo, como aquele livro que você já deveria ter lido.
Um ensaio de Italo Calvino1 me fez repensar esta definição. Ele traz uma proposta mais pessoal e subjetiva dos clássicos. Você não precisa copiar e colar a lista de Clássicos da Literatura Mundial que circula por aí e pode - e deve - criar a sua própria biblioteca individual. Na verdade, Calvino não traz apenas uma definição - no ensaio, ele apresenta 15 diferentes versões do que pode ser um clássico. Sete delas foram fundamentais para a minha formação:
Aqueles livros que são uma riqueza para aqueles que os leram e amaram - e também para aqueles que têm a sorte de poder lê-los pela primeira vez.
Livros que exercem uma influência particular quando se recusam a ser esquecidos e também quando se ocultam nas dobras da memória.
Um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer.
Em um clássico, às vezes descobrimos algo que sempre soubemos (ou pensamos que sabíamos), mas sem saber que este autor o disse primeiro.
Livros que consideramos cada vez mais novos, frescos e inesperados ao lê-los.
Um livro que se configura como um equivalente do universo, à semelhança dos antigos talismãs.
Aquele livro que é melhor ter lido do que nunca ter lido.
Elas me convidaram a repensar a forma como encaro os clássicos. Eles viraram, para mim, os livros que me acompanham e que mudaram a minha forma de entender a mim mesma e o mundo ao meu redor. Que me transformaram em quem eu sou e moldaram a minha visão sobre o mundo, a ética, a moral, a bondade, a compaixão e tantos outros aspectos.
Ao entender isso, fiquei mais compassiva com a pressão do "tem que ler". Parece que existe por aí uma lista não-oficial de todos os livros que precisamos ler e que sem eles nossa formação literária será incompleta. Como se fosse uma falha nossa. Parei de pensar em tudo que eu precisava ler para tapar este buraco e comecei a entender que é uma construção de um edifício particular, e não um preenchimento de um vazio.
Um clássico pode ter sido publicado ontem. O livro que passou no teste do tempo pode sim entrar na sua lista de clássicos, mas somente se ele disser algo pessoal para você. Aquele livro que todo mundo idolatra pode passar a milhas de distância da sua lista (alô, A elegância do ouriço). Clássico pode estar em qualquer formato e pertencer a qualquer gênero. Ninguém fala de forma mais perfeita do que Calvino: o seu clássico é o seu talismã.
Quis estrear os dossiês literários com esta edição dos clássicos como um convite para a subjetividade literária: as sugestões que trago são aquelas que pertencem à minha biblioteca de clássicos. Não quer dizer que precisam entrar na sua. Encare-as como um convite à exploração. O meu desejo é poder compartilhar todas estas referências - e a minha torcida é que elas construam pontes individuais com cada leitor que sentir o chamado.
A lista abaixo é um recorte entre meus clássicos de abril de 2023. Sei que ela vai mudar e evoluir ao longo do tempo. A ordem é alfabética, pois uma classificação entre eles é impossível. Vem conferir:
47 contos, de Isaac Bashevis Singer (Companhia das Letras). Ler Bashevis Singer foi conhecer a cultura dos meus ancestrais, uma viagem para a minha origem.
Americanah, de Chimamanda Ngozi Adichie (Companhia das Letras). Este livro foi uma revelação de como a leitura nos abre para a perspectiva dos outros.
Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez (Record). Uma sinfonia de personagens e destinos, na melhor expressão do realismo fantástico. Se você não leu, que presente: vai poder ler pela primeira vez.
Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago (Companhia das Letras). Ganhei de uma amiga na adolescência e foi uma descoberta: como a literatura “séria” poderia ser apaixonante.
Matrix, de Lauren Groff (Riverhead Books). Nunca poderia imaginar que a vida de uma abadessa do século 11 poderia ser tão sensual, violenta e, sobretudo, livre.
Maus, de Art Spiegelman (Companhia das Letras). Um presente de uma amiga que me mostrou as mais variadas formas de contar uma história. O meu livro favorito sobre o Holocausto.
A montanha mágica, de Thomas Mann (Companhia das Letras). Meu romance de ideias e de formação favorito.
Mulherzinhas, de Louisa May Alcott (Martin Claret). Minha maior paixão da infância, o livro que me fez sonhar em ser escritora.
Nós, de Yevgeny Zamyatin (Aleph). Minha primeira distopia, que abriu o caminho para eu descobrir tantas outras - e que serviu de inspiração para todas elas.
Primeiras estórias, de João Guimarães Rosa (Global). Hemingway e Tchékhov que me perdoem, mas não existe conto mais perfeito do que A terceira margem do rio.
Sidarta, de Hermann Hesse (Record). Um livro que abriu as portas para um outro tipo de espiritualidade e me fez vislumbrar uma outra forma de ser.
Que esta lista sirva de inspiração para você pensar nos seus próprios clássicos - e quem sabe se animar para ler algum desses tesouros literários!
Me conta o que achou deste formato? Qual o seu clássico favorito? Vamos bater papo nos comentários!
Por que ler os clássicos, Italo Calvino (Companhia das Letras).
Ler "O Processo" de Kafka aos 14 anos é inesquecível. Eu amo Sidarta e já tá ficando amarelado.
Mas Lobo da Estepe, que foi indicação de uma pessoa muita querida, na época, já tinha, 20 anos, mexeu muitooo comigo.
Carol, você me pegou de jeito com a edição de hoje. Desde que resolvi mergulhar no universo da literatura, tenho me sentido sempre em dívida. Dívida por não ter lido vários dos clássicos obrigatórios e dívida por não ter conseguido ler o último lançamento OBRIGATÓRIO! antes de ele ser esquecido por todos os meus amigos.
Repensar o que é clássico e ser mais gentil com minhas listas de leitura pendentes - que já é grande o suficiente - é um desafio que preciso encarar de frente pra não enlouquecer. hahaha